Meus pais, Evaldo Lima e Hathane Vianna
OS 70 ANOS DE MAMÃE
Não gostaria de começar esse texto com uma frase óbvia,
dizendo que a data de hoje – 23 de março de 2019 —, é um dia muito especial,
mas não há outra maneira. Há 70 anos nascia Hathane Maria Vianna, na fazenda
Cacimbinha, propriedade de seu avô materno Olympio Vianna, que todos da família
chamavam ‘Pai Vianna’, velho austero, inteligente, verdadeiro exemplo dos sertanejos
de fibra que o Nordeste de hoje já não produz. Filha de Miguel de Assis Vianna
(Caboclo Vianna) e Áurea de Sousa Vianna, ele nascido a 13 de dezembro de 1913,
ela a 14 de julho de 1912.
Áurea e Caboclo Vianna, pais de Hathane
Mamãe tem um nome bastante raro no Brasil — HATHANE. Nome
escolhido por seu avô, Olympio Vianna, que era muito dado a leituras. Ficou
órfã de mãe aos 9 anos de idade e passou a viver na casa de parentes, em
Maracanaú, onde permaneceu até os 15 anos. Aos 16 conheceu meu pai e depois de
um rápido namoro, casaram-se no dia 8 de dezembro de 1966, dia em que se
celebravam os 30 anos de casamento dos meus avós paternos Manoel Barbosa Lima e
Alzira Vianna de Sousa Lima.
Os filhos foram nascendo logo em seguida, todos homens, e
ela, muito jovem, participava das nossas brincadeiras como se fosse uma
criança. A sua única filha é temporã... a Vandinha nasceu em 1985, quase vinte
anos depois do seu casamento. Ela banhava todos nós de uma vez, em cima de uma
grande pedra que havia no terreiro de casa. Despejava cuias d'água na cabeça de
cada um e depois mandava a gente se escorrer. Que eu me lembre, não havia
toalha. A gente tinha que se secar ao sabor do sol e do vento.
Muito habilidosa, mamãe é também muito inventiva. Em matéria
de costura é mestra no ofício e na cozinha também cria suas próprias receitas,
sempre variadas e apetitosas. Acredito que o dom da poesia, que floresceu em
mim e no mano Klévisson Vianna é herança do lado paterno, desde o bisavô
Fitico, passando por minha avó Alzira e meu pai, Francisco Evaldo de Sousa
Lima. Já os pendores para o desenho e outras artes visuais seguramente herdamos
de nossa mãe. Mamãe foi sempre muito carinhosa comigo e incentivava minhas
incursões pelo desenho e outras artes. Era muito habilidosa como costureira e
aproveitava retalhos de suas costuras para fazer colchas, tapetes e até
lençóis. Eu gostava de brincar ao pé de sua máquina de costura, ouvindo o rádio
Semp, que era nossa principal fonte de lazer e informação. Na sala havia também
uma escrivaninha de meu pai, com uma gaveta repleta de livros e folhetos. Ali
eu me sentava sempre para ler ou desenhar, sendo imitado posteriormente por meu
irmão caçula, Klévisson Viana.
Uma das recordações mais marcantes que tenho dos nossos
primeiros dias em Canindé era o cuidado extremado de minha mãe para que não
atravessássemos a pista, como medo que fossemos atropelados. Escrevi, com tinta
guache, numa das paredes: 5º Distrito
Policial... Realmente era uma prisão, sobretudo para mim, que passara o ano
anterior solto na buraqueira, lá no Maracanaú. Vivíamos então enclausurados e
quando a porta estava aberta saíamos correndo sem olhar para nada, ouvindo
muitas vezes a freada brusca dos veículos bem nos pés da gente. Escapamos todos
pela graça e a infinita misericórdia de Deus, só pode. A vizinhança se
comprazia em trazer as más notícias. Dona Betiza, uma velha gorda e muito
vermelha, chegava soprando e dizendo aos gritos:
— Chega, Tiana! Acode aqui, teu menino quase foi atropelado!
Escapou fedendo!
Além da queda, o coice. Não bastasse o susto do quase
atropelamento ainda levávamos boas chineladas e carões quilométricos de mamãe.
Aos domingos ela arrumava todos, e íamos para a missa na
Basílica. Não era bem pela devoção e sim pela vontade de sair que fazíamos
aquele passeio com grande alegria. Na volta assistíamos ao programa televisivo
dos “Trapalhões” na casa do meu tio José Oswaldo. Naquele tempo não tínhamos
aparelho de TV. Durante a semana éramos “televizinhos” na janela da casa do
José Elias, pai do atual prefeito de Canindé, Celso Crisóstomo, nosso parente
pelo ramo Sousa-Paulino (da Vila Campos). Na missa, mamãe ficava disputando os
primeiros bancos da igreja com umas
velhotas beatas e de vez em quando nos cutucava para mangar de alguém. Sempre
teve um senso de humor muito apurado.
Mamãe e seu padrinho tio Luiz Vianna
Depois de alguns meses nesse regime de reclusão, nosso alvará
de soltura veio no período do verão de 1980, com a aproximação dos festejos de
São Francisco. Todos nós tínhamos aptidão para o comércio e fomos trabalhar
como camelôs, uns vendendo balas e doces, outros com bijuterias e artigos
religiosos. Percorríamos os hotéis e pousadas do Alto do Custódio, Rua João
Pinto Damasceno e até a distante Rua da Palha, onde ficava o Abrigo dos
Romeiros. Foi um tempo bom, em que aprendemos muito da cultura popular e dos
costumes do povo nordestino de outros estados. Para ser sincero, tenho uma boa
recordação daqueles tempos difíceis, mas felizes.
Portanto, nessa data tão especial, quero brindar minha mãe
com um singelo soneto de minha lavra:
UM SONETO PARA MAMÃE
Como uma abelha rainha na colmeia
Vejo a faina de minha mãe querida
Com seu carinho adoça o mel da vida
Sem cobrar os aplausos da plateia
Como a Virgem Maria, a Santa Hebreia
Dá conforto e segurança, dá guarida,
Mas se enxerga a sua prole perseguida
Vira uma loba e defende a alcatéia.
Não é Santa, dessas santas de igreja
Mas à ela digo os versos da Peleja
De Gustavo com Maria Roxinha
Nesse mundo de vileza e de pecado
Dentre as mães eu só tenho encontrado
Sem defeitos, a de Cristo e a minha.
Canindé, 23 de março de 2019.
HOJE SOU EU QUEM DIZ: - DEUS TE ABENÇOE, MINHA MÃE!
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