Um poeta popular na Capital do Império
PESQUISA JOGA NOVAS LUZES SOBRE OS
PRIMÓRDIOS DO CORDEL BRASILEIRO
Alguém já ouviu falar do Santaninha? Os pesquisadores Arievaldo
Vianna e Stélio Torquato seguiram as pegadas desse poeta popular citado por
Sílvio Romero, Mello Moraes Filho, Barão de Studart e José Calazans (dentre
outros) como um dos precursores da Literatura de Cordel. A pesquisa abrange
citações em livros do século XIX e primórdios do século XX, notas publicadas em
dezenas de jornais e revistas do Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro e
narra a saga desse poeta potiguar, natural da Vila de Touros-RN, nascido em
1827, autor de, pelo menos, 10 folhetos de cordel publicados entre 1873 e 1883.
Com muito esforço os autores obtiveram também o texto integral de quatro poemas
de Santaninha, todos em sextilha!
Trata-se de uma biografia e alentado
estudo sobre a obra de Santaninha, acompanhado de uma Antologia com os quatro
poemas já mencionados, a saber: O Imposto
do Vintém, A Guerra do Paraguai, A Seca do Ceará e o Célebre Chapéu de Sol. O livro sairá em breve pela META EDITORIAL.
Lançamento previsto para a BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ.
Folhetos de trovas populares, publicados pela Livraria Quaresma
O OVO E A GALINHA: UM ESTUDO SOBRE OS
PRIMÓRDIOS DA LITERATURA DE CORDEL
Quem surgiu
primeiro? A grande polêmica entre alguns pesquisadores é saber quem publicou
folhetos primeiro, se Leandro Gomes de
Barros, considerado o ‘pai da Literatura de Cordel’, ou se tal primazia
coube a Silvino Pirauá de Lima,
ambos paraibanos. Contando em desfavor do segundo está o fato de não terem se
conservado seus folhetos mais antigos, ao passo que boa parte da produção de
Leandro está preservada no acervo da Casa de Rui Barbosa e na Biblioteca Átila
de Almeida, em Campina Grande, com folhetos datados da primeira década do
século XX. Antes desses pioneiros, entretanto, um bardo e também rabequista
veio a publicar folhetos populares em sextilhas, através da Livraria do Povo,
de Pedro Quaresma, no Rio de Janeiro, com formato muito aproximado do autêntico
cordel nordestino, quase duas décadas antes de Leandro.
Trata-se do
poeta João Sant’Anna de Maria, o
Santaninha, autor do folheto O Imposto do
Vintém, publicado em 1880. Antes desse cordel, já havia publicado um poema
sobre a Guerra do Paraguai. Santaninha revendia seus folhetos no centro da
então Capital do Império, cantando-os ao som da rabeca. Parte do conteúdo
desses folhetos encontra-se registrada nos Anais do Museu Histórico Nacional.
Também tivemos acesso a um folheto integralmente preservado, com quatro poemas
de Santaninha, no acervo da Biblioteca Nacional, publicados entre 1879-1881.
Os cronistas
daquela época e até mesmo alguns editores classificavam a produção de
Santaninha e outros poetas populares como livretos de “modinhas” à falta de
melhor definição, pois o termo Literatura de Cordel, trazido de Portugal, ainda
não havia se popularizado no Brasil. Essa, aliás, era prática comum, como
ratifica Vicente Sales, informando que a editora Guajarina, de Belém-PA, ao
divulgar, por volta de 1920, um catálogo de 35 títulos de autores como Leandro
Gomes de Barros, João Melchíades Ferreira e Firmino Teixeira do Amaral (entre
outros), classifica os folhetos como “literatura sertaneja” ou “coleção de
modinhas”. (SALLES, 1985, p. 152)
Sílvio Romero,
contudo, já classifica a produção de Santaninha como Literatura de Cordel. Desde a primeira edição do livro Estudos
sobre a Poesia Popular do Brasil, publicada em 1879-1880, Silvio Romero já faz
uma leve referência ao “pequeno poeta”:
A literatura
ambulante e de cordel no Brasil é a mesma de Portugal. Os folhetos mais
vulgares nos cordéis de nossos livreiros de rua são: A história da Donzela
Theodora, A Imperatriz Porcina, A Formosa Magalona, O Naufrágio de João de
Calais – a que juntam-se Carlos Magno e os Doze Pares de França, O testamento do
Galo e da Galinha, e agora bem modernamente – as Poesias do Pequeno Poeta João
Sant’Anna de Maria sobre a Guerra do Paraguay [ROMERO, 1977, p. 257]
Da biografia de
Santaninha, muitos dados eram desconhecidos até recentemente, a começar pela
data e lugar de seu nascimento. O que nunca foi questionado foi o fato que
viveu no Ceará, onde acompanhou atentamente o desenrolar da Guerra do Paraguai
(1864-1870), escrevendo um longo poema que era uma espécie de carro-chefe de
suas apresentações, antes de se mudar definitivamente para o Rio de Janeiro.
Sabe-se a data em que teria se fixado na Capital do Império: 1877, como informa
o célebre Dicionário Biobibliográfico Cearense, do Barão de Studart, no qual se
registram outros dados sobre o autor:
João Sant’Anna de Maria – É o celebre
Santaninha, afamado improvisador e tocador de rabeca. Foi trabalhador de um
sitio da família Sombra em Maranguape, onde era muito popular, e, tendo se
retirado para o Rio em 1877, ali faleceu alguns anos depois, após ter granjeado
larga fama como rabequista popular. Publicou: — Guerra do Paraguai. Imposto do vintém. O Célebre Chapéu de Sol. A Seca
do Ceará, folheto de pp., Rio de Janeiro, Livraria do Povo, Quaresma &
C.a, Rua de S. José, 65 e 67. Além dessas suas afamadas cantigas, há mais
Outras Poesias, que vi citadas em um catálogo da antiga livraria de Serafim
José Alves, Rio. (STUDART, 1910-1915, verbete “João Sant’Anna de Maria”).
A Revolta do Vintém, tema de um folheto de Santaninha
JUSTIÇA PARA SANTANINHA
(trecho do prefácio
do livro, assinado pelo pesquisador Marco Haurélio)
Os esforços envidados
pelos poetas e pesquisadores Arievaldo Vianna e Stelio Torquato Lima para
trazer à baila a fascinante e fugidia personagem Santaninha, pseudônimo de João
Santana de Maria, pioneiro da literatura de cordel brasileira, representam um
salto qualitativo poucas vezes visto nos estudos da poesia popular. A certeza fulminante
advinda da pesquisa, agora transformada em livro, é a de que a cronologia do
cordel precisa ser urgentemente revista. Santaninha antecede, em pelo menos
duas décadas, Leandro Gomes de Barros (1865-1918), o paraibano genial que nos
legou alguns dos maiores clássicos do gênero.
Por que, então, seu nome
não consta ou é citado marginalmente por uma reduzida gama de pesquisadores?
Por que não há qualquer referência a ele no Dicionário
Biobibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, de Átila Almeida e
José Alves Sobrinho?
Bem, são muitas as
perguntas, e os autores deste livro respondem à maior parte delas com a
desenvoltura de quem foi além das fontes primárias. À parte a conhecida e
repisada citação de Sílvio Romero em seus Estudos da poesia popular, Arievaldo
e Stelio recorreram a acervos, recortes de jornal e obras de referência há
muito fora de circulação. Se Santaninha, a princípio, era uma personagem
distante, quase evanescente, a pesquisa criteriosa, deu-lhe um rosto, esboçou
traços de sua personalidade e reconstruiu sua trajetória de migrante que deixou
o Ceará e se instalou no Rio de Janeiro, tornando-se, na capital federal, um
cronista popular. Citei-o brevemente, reproduzindo, em nota, o verbete do Barão
de Studart que também consta deste volume. Sabia de sua importância, mas não
fazia ideia de como inseri-lo no universo da literatura de cordel, tal como se
estabeleceu a partir do modelo legado principalmente por Leandro Gomes de
Barros. Este livro faz isso muito bem e vai além. (...)
Página de rosto de um folheto de Santaninha,
todo escrito em SEXTILHAS
* * *
SERVIÇO: Lançamento dia 18 de abril (terça-feira), na Praça do Cordel, a partir das 15 horas. Palestra com Stélio Torquato, Arievaldo Vianna, Gilmar de Carvalho e Crispiniano Neto.
Ver programação completa aqui: https://issuu.com/secultceara/docs/programacao_bienal2
* * *
SERVIÇO: Lançamento dia 18 de abril (terça-feira), na Praça do Cordel, a partir das 15 horas. Palestra com Stélio Torquato, Arievaldo Vianna, Gilmar de Carvalho e Crispiniano Neto.
Ver programação completa aqui: https://issuu.com/secultceara/docs/programacao_bienal2
Parabéns ao Santaninha!
ResponderExcluirA lavra de artistas prova
Ser sua a profícua lavra.
A sua arma, a palavra,
O vernáculo que não tinha
Verbalizava na trova
De perfeita perfeição
Da mais extremada linha.
Aqui no nosso litoral catarinense, as décimas do cancioneiro português foram muito usadas. Consta que em Armação do Itapocoróy, um capitão de longo curso aposentado foi um dos maiores trovadores ao desafio - o Senhor João Leite. Consta como uma de suas pérolas, a sequinte décima deturpada: "Prantei uma bananeira / Cortada, não era inteira / Na beira do meu riacho. / Prantei de ponta pra riba / Como tava ruim o crima / Nasceu de ponta pra baixo / E até amode um dispacho / Prantei numa sexta-feira / Domingo já deu um cacho.
Sou um amante das trovas. Meu avô, açoriano, foi declamador de décimas. Grande abraço. Laerte.
Obrigado, Laerte, pela leitura do texto e comentário postado aqui no BLOG. Amanhã, 18 de abril, SANTANINHA será tema de uma Mesa Redonda na XII Bienal Internacional do Livro do Ceará.
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