- Patativa, foto de Tiago Santana
A
MORTE DE NANÃ
Patativa do
Assaré
Eu vou contá
uma históra
Que eu não
sei como comece,
Pruquê meu
coração chora,
A dô do meu
peito cresce,
Omenta o meu
sofrimento
E fico
uvindo o lamento
De minha
arma dilurida,
Pois é bem
triste a sentença
De quem
perdeu na isistença
O que mais
amou na vida.
Já tou véio,
acabrunhado,
Mas inriba
deste chão,
Fui o mais
afurtunado
De todos
fios de Adão.
Dentro da
minha pobreza,
Eu tinha
grande riqueza:
Era uma
quirida fia,
Porém morreu
muito nova.
Foi sacudida
na cova
Com seis ano
e doze dia.
Morreu na
sua inocença
Aquele anjo
incantadô,
Que foi na
sua isistença,
A cura da
minha dô
E a vida do
meu vivê.
Eu bejava,
com prazê,
Todo dia,
demenhã,
Sua face
pura e bela.
Era Ana o
nome dela,
Mas, eu
chamava Nanã.
Nanã tinha
mais primô
De que as
mais bonita jóia,
Mais linda
do que as fulô
De um tá de
Jardim de Tróia
Que fala o
dotô Conrado.
Seu cabelo
cachiado,
Preto da cô
de viludo.
Nanã era meu
tesôro,
Meu
diamante, meu ôro,
Meu anjo,
meu céu, meu tudo.
Pelo terrêro
corria,
Sempre
sirrindo e cantando,
Era lutrida
e sadia,
Pois, mesmo
se alimentando
Com fejão,
mio e farinha,
Era gorda,
bem gordinha
Minha
querida Nanã,
Tão gorda
que reluzia.
O seu corpo
parecia
Uma banana-maçã.
Todo dia,
todo dia,
Quando eu
vortava da roça,
Na mais
compreta alegria,
Dentro da
minha paioça
Minha Nanã
eu achava.
Por isso, eu
não invejava
Riqueza nem
posição
Dos grande
deste país,
Pois eu era
o mais feliz
De todos fio
de Adão.
Mas, neste
mundo de Cristo,
Pobre não
pode gozá.
Eu, quando
me lembro disto,
Dá vontade
de chorá.
Quando há
seca no sertão,
Ao pobre
farta fejão,
Farinha, mio
e arrôis.
Foi isso o
que aconteceu:
A minha fia
morreu,
Na seca de
trinta e dois.
Vendo que
não tinha inverno,
O meu
patrão, um tirano,
Sem temê
Deus nem o inferno,
Me dexou no
desengano,
Sem nada
mais me arranjá.
Teve que se
alimentá
Minha
querida Nanã,
No mais
penoso matrato,
Comendo caça
do mato
E goma de
mucunã.
E com as
braba comida,
Aquela pobre
inocente
Foi mudando
a sua vida,
Foi ficando
deferente.
Não sirria
nem brincava,
Bem pôco se
alimentava
E inquanto a
sua gordura
No corpo
diminuía,
No meu
coração crescia
A minha
grande tortura.
Quando ela
via o angú,
Todo dia
demenhã,
Ou mesmo o
rôxo bejú
Da goma da
mucunã,
Sem a comida
querê,
Oiava pro
dicumê,
Depois oiava
pra mim
E o meu
coração doía,
Quando Nanã
me dizia:
Papai, ô
comida ruim!
Foto: http://www.naturezabela.com.br
Se passava o
dia intêro
E a coitada
não comia,
Não brincava
no terrêro
Nem cantava
de alegria,
Pois a farta
de alimento
Acaba o
contentamento,
Tudo destrói
e consome.
Não saía da
tipóia
A minha
adorada jóia,
Infraquecida
de fome.
Daqueles óio
tão lindo
Eu via a luz
se apagando
E tudo
diminuindo.
Quando eu
tava reparando
Os oinho da
criança,
Vinha na
minha lembrança
Um candiêro
vazio
Com uma
tochinha acesa
Representando
a tristeza
Bem na ponta
do pavio.
E, numa
noite de agosto,
Noite escura
e sem luá,
Eu vi crescê
meu desgosto,
Eu vi crescê
meu pená.
Naquela
noite, a criança
Se achava
sem esperança
E quando vêi
o rompê
Da linda e
risonha orora,
Fartava bem
pôcas hora
Pra minha
Nanã morrê.
Por ali
ninguém chegou,
Ninguém
reparou nem viu
Aquela cena
de horrô
Que o rico
nunca assistiu,
Só eu e
minha muié,
Que ainda
cheia de fé
Rezava pro
Pai Eterno,
Dando
suspiro maguado
Com o seu
rosto moiado
Das água do
amô materno.
E, enquanto
nós assistia
A morte da
pequenina,
Na menhã
daquele dia,
Veio um
bando de campina,
De canaro e
sabiá
E começaro a
cantá
Um hino santificado,
Na copa de
um cajuêro
Que havia
bem no terrêro
Do meu
rancho esburacado.
Aqueles
passo cantava,
Em lovô da
despedida,
Vendo que
Nanã dexava
As misera
desta vida,
Pois não
havia ricurso,
Já tava
fugindo os purso,
Naquele
estado misquinho,
Ia
apressando o cansaço,
Seguido pelo
compasso
Da musga dos
passarinho.
Na sua
pequena boca
Eu via os
laibo tremendo
E, naquela
afrição loca,
Ela também
conhecendo
Que a vida
tava no fim,
Foi
regalando pra mim
Os tristes
oinho seu,
Fez um
esforço ai, ai, ai,
E disse:
“abença, papai!”
Fechô os óio
e morreu.
Enquanto
finalizava
Seu momento
derradêro,
Lá fora os
passo cantava,
Na copa do
cajuêro.
Em vez de
gemido e choro,
As ave
cantava em coro.
Era o
bendito prefeito
Da morte de
meu anjinho.
Nunca mais
os passarinho
Cantaro
daquele jeito.
Nanã foi,
naquele dia,
A Jesus
mostrá seu riso
E omentá
mais a quantia
Dos anjo do
Paraíso.
Na minha
maginação,
Caço e não
acho expressão
Pra dizê
como é que fico.
Pensando
naquele adeus
E a curpa
não é de Deus,
A curpa é
dos home rico.
Morreu no
maió matrato
Meu amô
lindo e mimoso.
Meu patrão,
aquele ingrato,
Foi o maió
criminoso,
Foi o maió
assarsino.
O meu anjo
pequenino
Foi sacudido
no fundo
Do mais
pobre cimitero
E eu hoje me
considero
O mais pobre
deste mundo.
Soluçando,
pensativo,
Sem consolo
e sem assunto,
Eu sinto que
inda tou vivo,
Mas meu
jeito é de defunto.
Invorvido na
tristeza,
No meu
rancho de pobreza,
Toda vez que
eu vou rezá,
Com meus
juêio no chão,
Peço em
minhas oração:
Nanã, venha
me buscá!
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