quarta-feira, 25 de maio de 2011

INFLUÊNCIAS IBÉRICAS - PARTE II

'Amor de Perdição', versão de João Martins de Athayde


Eis aqui leitor amigo
O ‘Amor de Perdição’
Romance que foi real
Cheio de lance e emoção
Onde o amor foi imolado
Por orgulho e ambição.

O coração de quem ama
Não obedece a ninguém,
É ele o senhor de si
Enfrenta tudo que vem
Desconhecendo a desgraça
Acha que está muito bem.

Influências Ibéricas no
Romanceiro Popular Nordestino

As maiores autoridades que se ocupam em pesquisar o Romanceiro Popular Nordestino denominado, de uns tempos para cá, de Literatura de Cordel, atestam que sua origem está ligada aos trovadores medievais da Europa e ao Romanceiro Ibérico. O centro irradiador do Trovadorismo na Península Ibérica foi a região que compreende o Norte de Portugal e a Galiza, onde está situado o famoso centro de romarias consagrado a Santiago de Compostela. Os trovadores produziam poemas e cantigas que eram propagadas pelos jograis ao som de instrumentos como a flauta, a viola e o alaúde. As composições de maior aceitação popular chegaram a ser impressas. A própria denominação Literatura de Cordel, amplamente utilizada para designar a poesia popular nordestina nos dias de hoje, vem de Portugal*, onde os folhetos dos trovadores eram vendidos a cavalo no cordão. Na Espanha, dava-se o nome de “pliegos sueltos” a este tipo de literatura.
Por influência da colonização espanhola, esse tipo de cultura manifestou-se em diversos países da América Latina como o México, Guatemala, Peru e Argentina. Em nenhum deles, entretanto, teve a força e a projeção que alcançou no Nordeste do Brasil. Aqui, depois de impressas, as histórias eram decoradas por cegos cantadores e recitadas para as multidões nos alpendres e nas feiras sertanejas, ao som da viola ou da rabeca, instrumento rústico ancestral do violino.
Sabe-se, de fato, que os grandes clássicos do nosso romanceiro são oriundos de antigas estórias escritas originalmente em prosa ou quadras em Portugal, França e Espanha.  Câmara Cascudo afirma, em seu “Vaqueiros e Cantadores”, que a “História do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares de França, traduzida do castelhano para o português, era o grande livro de História para as populações do interior nordestino”.  Desta obra originaram-se folhetos como “Batalha de Oliveiros e Ferrabrás”, “Prisão de Oliveiros”,  “Roldão no Leão de Ouro” e “A morte dos 12 Pares de França”. Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, foi adaptado num longo poema atribuído a João Martins de Athayde, publicado em dois volumes de 32 páginas cada um. Outra grande fonte de pesquisa e inspiração para os cantadores e poetas populares de antigamente foi o romance “O Mártir do Gólgota”, do escritor Espanhol Henrique Pérez Escrich, do qual já falamos em postagem anterior. Histórias como a do célebre navegador João de Calais, de Pierre e Magalona e do duque normando Roberto do Diabo também chegaram ao nosso conhecimento através de versões impressas em Portugal e Espanha.

Arievaldo Viana

* Nota – O termo LITERATURA DE CORDEL se popularizou a partir de 1881, quando o pesquisador português Teófilo Braga publicou sua obra “Os Livros Populares Portugueses, Folhas Volantes ou Literatura de Cordel”.

Fragmento de palestra realizada no Congresso Internacional de Professores da Língua Espanhola.

CORDEL NA ESCOLA

Arte da capa: JÔ OLIVEIRA

A importância do Cordel
na Sala de Aula


(*) José Romero Araújo Cardoso

Veículo de fabuloso fomento à identidade regional, o cordel tem nas camadas populares seus mais constantes e fiéis consumidores, sendo através dos tempos valorizado e cultuado como a verdadeira e autêntica literatura nordestina, o livro de bolso do povo da região.
Há ênfase a diversos clássicos da Literatura de Cordel, os quais são estudados com seriedade em importantes academias espalhadas mundo a fora, não obstante ser recente o estudo desse gênero em Universidade Brasileiras.
Entre esses, destacam-se as produções de Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, José Camelo de Melo, José Pacheco, João Ferreira de Lima, entre outros, inspiradores do Movimento Armorial, criado pela genialidade ímpar de Ariano Suassuna.
A importância de estudar o cordel em sala de aula está sendo enfatizado em projeto ousado e inovador, por título Acorda Cordel, coordenado pelo poeta popular, radialista, ilustrador e publicitário cearense Arievaldo Viana, nascido aos 18 de setembro de 1967, nos sertões adustos de Quixeramobim, terra que também viu nascer o beato Antônio Conselheiro.
Intitulado Acorda Cordel na Sala de Aula, folheto de número 70 da Coleção Queima-Bucha, publicado em Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, em janeiro de 2006, esse cordel traz ilustração de capa do próprio autor. Vale ressaltar que Arievaldo Viana foi eleito no ano de 2000, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira de número 40, cujo patrono é o poeta popular João Melchíades Ferreira.
Arievaldo Viana desenvolve sua verve extraordinária alertando sobre a necessidade de primar por normas ortográficas e gramaticais corretas, tendo em vista que o cordel, quando usado para a alfabetização, principalmente de jovens e adultos, deve respeitar a linguagem corrente, sem erros grosseiros que atrapalhem os objetivos propostos em seu projeto de fomento ao processo ensino-aprendizagem.
O autor sintetiza a influência do cordel em sua vida, desde a infância, quando se verificou o contato do mesmo com grandes nomes da literatura regional, cujas histórias eram lidos pela avó com o frenético entusiasmo de quem se rende aos encantos das bravuras e feitos épicos narrados primorosamente em folhetos de diversos mestres do passado.
Arievaldo Viana confessa, sem titubear, que os versos geniais decorados de diversos cordéis, tiveram influência mais incisiva que os livros nos quais estudou. O cordel tinha decisiva importância na formação do povo nordestino em razão que o advento do rádio e da televisão era pouco enfático. A mídia ainda não havia contaminado efetivamente o imaginário do povo nordestino.
A fim de que recuperemos nossa identidade vilipendiada pelos rumos da globalização, o autor frisa a importância de que cada biblioteca estruture sua cordelteca como fonte de saber. Aviso singular quanto à utilidade do cordel, está contido na necessidade da observância da métrica, rima e oração que cada folheto deve conter, visto que, na brilhante advertência do autor, deve existir seqüência lógica para que o estudo seja contemplado de êxitos.
A influência da avó é destacada intensamente no folheto, como forma de exaltar a importância do cordel na sala de aula, pois conforme o autor, esta teria sido sua mais completa fonte de inspiração para que se desabrochasse o amor pelo gênero mais identificador da verdadeira cultura nordestina.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão territorial e em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
* * *

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terça-feira, 24 de maio de 2011

MESTRES DA XILOGRAVURA - I


Minelvino Francisco Silva
O trovador apóstolo

Por: Arievaldo Viana

Faz tempo que o poeta, pesquisador e colecionador de xilogravuras Jeová Franklin propôs-me a criação de uma série de álbuns sobre os Mestres da Gravura Popular. Seriam biografias em cordel fartamente ilustradas com obras dos respectivos biografados. Abrindo a série, teríamos um álbum com o saudoso poeta Minelvino Francisco Silva – O trovador apóstolo, um dos mais inspirados poetas da Bahia.
O projeto "Mestres da Gravura Popular", que também contemplará nomes como Stênio Diniz, Dila, J. Borges, dentre outros, continua inédito, à espera de editor interessado.

Contemporâneo de Rodolfo Coelho Cavalcante, Alípio Bispo e Antônio Teodoro dos Santos, Minelvino além de projetar-se como poeta inspirado, foi também editor, tipógrafo, folheteiro e xilogravador. Dono de uma técnica apurada e inconfundível na arte da gravura, poderíamos mesmo afirmar que Minelvino foi o fundador da escola baiana de gravura. Seu corte firme e a preferência pelo contraste em preto e branco, usando raramente os meios-tons, identifica a sua obra com a de outro mestre da xilo, o pernambucano Dila. Vejam, a seguir, a biografia de Minelvino Francisco em prosa e verso:


Minelvino Francisco Silva, nasceu em 1926 (ou 1924), na Fazenda Olhos D'Água, no Povoado de Palmeiral, município de Mundo Novo na Bahia, mas veio para Itabuna ainda jovem onde residiu por muitos anos. Poeta popular, cordelista de grande talento criativo desde adolescente, começou a trabalhar de forma bastante artesanal e chegou a montar sua própria gráfica em sua casa, onde imprimia seus livretos que eram vendidos em feiras populares e praças públicas.

Minelvino também criava suas próprias ilustrações para os livretos com belas xilogravuras de sua autoria. Criou, imprimiu e publicou cerca de 1000 livros ao longo da sua vida, com títulos como "João acaba mundo e a serpente encantada", "O gigante quebra osso", "Maninha e a machadinha", "O Filho de João acaba mundo", "ABC dos Tubarões", "Debate de Lampião com São Miguel", "O Cangaceiro do Nordeste", "História do Touro que engoliu o Fazendeiro", "A Mulher de Sete Metros que apareceu é Itabuna", entre tantos outros.

Seu talento no campo da poesia popular lhe rendeu reconhecimento estadual e até nacional, tendo exposto trabalhos no Museu do Folclore do Rio de Janeiro. Seu nome consta na "Antologia Baiana de Literatura de Cordel" promovida pela Secretaria de Cultura e Turismo do governo do Estado da Bahia.

Faleceu em 1999, deixando uma lacuna na poesia popular do Estado da Bahia e, particularmente, de Itabuna, cidade em que o "Trovador Apóstolo" - como gostava de ser chamado, por ser muito religioso e devoto de Bom Jesus da Lapa - escolheu para viver a maior parte da sua trajetória.



BIOGRAFIA DE MINELVINO
FRANCISCO EM CORDEL Autor: ARIEVALDO VIANA
 


O poeta MINELVINO
Foi um grande trovador
Também exerceu com brilho
A arte de gravador
Para ilustrar um folheto
Recortava em branco e preto
Suas gravuras com amor.

Na fazenda Olhos D’água
De Belém, no município
Baiano de Mundo Novo
Sua vida teve princípio
Me disse um seu conterrâneo
Que ele foi contemporâneo
De Rodolfo e de Alípio*.

No ano de Vinte e Seis
Foi grande o contentamento
Em dezembro, a vinte e nove
Deu-se o seu nascimento
Vejamos como o poeta
Numa sextilha completa
Descreve aquele momento:

“Eu e Jesus em Belém
Nascemos quase num dia,
Ele em Belém da Judéia
Eu em Belém da Bahia.
Ele pregava o Evangelho
E eu prego a Poesia”

Com idade de doze anos
Frequentava uma escola
Em apenas trinta dias
Dando um trato na cachola
Já rabiscava um papel
E soletrava um cordel
Provando ter boa bola.

Logo o primeiro que leu
Causou bastante emoção
Era um verdadeiro clássico
Dos poemas do sertão
O Pavão Misterioso
Um folheto volumoso
De grande repercussão.

Os folhetos e romances
Lhe serviram de cartilha
Depois virou garimpeiro
Seguindo por outra trilha
Trabalhava noite e dia
Mas viu que a poesia
Tem a “pedra” que mais brilha.

É a pedra da palavra
Do saber e da cultura
Do conhecimento que
Valoriza a criatura,
O Minelvino Francisco
Resolve correr o risco
E abraça a Literatura...

Deixou de buscar o ouro
O diamante e o cristal
Passou a fazer folhetos
De maneira artesanal
Com capa em xilogravura
Mostrando a sua cultura
Tão simples e original.

Manoel D’Almeida Filho
Grande vate brasileiro
Descobriu a arte simples
Desse humilde garimpeiro
Vendo a beleza dos temas
Levou então seus poemas
Pra publicar na LUZEIRO.

Luzeiro é uma editora
Que floresceu no Sudeste
Publicando muitas obras
Dos poetas do Nordeste
Com capa bem colorida
Pretendia dar mais vida
Aos folhetos do agreste.

Mais de quinhentos folhetos
Legou à posteridade
Gravuras para ilustrá-los
Produziu em quantidade
Fez também por encomenda
Para aumentar sua renda
Venceu com dificuldade.

Sendo um romeiro confesso
Nosso humilde gravador
Dizia em seus livretos
“Sou apóstolo e trovador
Do meu Senhor do Bomfim”
Até que chegou ao fim
O seu intenso labor.

Agora em noventa e nove
Deste século recém-findo
Faleceu o grande artista
E agora está dormindo
No reino dos trovadores
E recebendo louvores
Por seu trabalho tão lindo.

FIM

(TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO AUTOR)

* Rodolfo Coelho Cavalcante (poeta alagoano) e Alípio Bispo dos Santos foram
trovadores que atuaram na Bahia e encomendaram muitas capas de folhetos ao
xilógrafo Minelvino Francisco da Silva.

Minelvino Francisco da Silva é autor de vários sucessos da literatura de cordel, com destaque para o clássico JOÃO ACABA-MUNDO E A SERPENTE NEGRA e O CASAMENTO DA RAPOSA COM O VEADO.


O CASAMENTO DA RAPOSA COM O VEADO
NO TEMPO QUE O JEGUE ERA CHOFER
(Edição do autor, impressa em 1986)

Quando o jegue era chofer
E governava a rodagem,
O papagaio locutor
Num estúdio de folhagem
O macaco e o sagui
Viviam na malandragem.

Veado por ser bonito
Bem satisfeito vivia,
Cabelo bem penteado
Enfrentava a boemia
Aonde tivesse festa
O veado não perdia.

Tinha uma raposa moça
Filha de um raposão
Que era ela a mais linda
Dali daquele grotão,
Quando ela ia a uma festa
Chamava bicho atenção.

A raposa moça disse:
- Ele é um moço de bem!
A velha raposa disse:
- Nenhum veado convém,
A família dos veados
Não tem valor dum vintém!

(...)

João Acaba-Mundo e a serpente negra - xilo de MINELVINO

segunda-feira, 23 de maio de 2011

NOVIDADE À VISTA!



Nos próximos dias, uma grande novidade vai sacudir o mundo da LITERATURA DE CORDEL. Por enquanto, é tudo que posso adiantar para vocês. Já imaginaram os fatos mais importantes da semana descritos e comentados em cordel, com leveza e bom humor?

TEM NOVIDADE CHEGANDO PELO AR... AGUARDEM!

MESTRES DO CORDEL IV

LUCAS EVANGELISTA

Lucas, numa mistura perfeita de Bob Dylan e Cego Aderaldo, sem
perder a seu lado cigano.

Desde a infância que acompanho com interesse o trabalho do poeta Lucas Evangelista, personagem que conheci nos festejos religiosos da cidade de Canindé-CE vendendo folhetos, discos e fitas K7 contendo a sua inspirada produção poética. As canções "Filho de cigano" e "Veniz, o cão de guarda" são as minhas preferidas, embora seu maior êxito nessa seara ainda seja "Carta de um marginal". Dos romances publicados em folheto gosto de "As aventuras de João Desmantelado", publicado pela Editora Luzeiro e "Lucilane, o vaqueiro valente nas vaquejadas do céu", este último um clássico do gênero. Foi Lucas que, de certa forma, me estimulou a publicar meus primeiros folhetos. Na Festa de São Francisco de Canindé, em 1997, encontrei com ele bastante desanimado em relação ao futuro da Literatura de Cordel. Disse-me que as principais editoras estavam fechando e que não havia uma nova geração para dar continuidade à tradição. Isso serviu-me de alerta para iniciar uma "campanha" em prol da revitalização do cordel. No texto abaixo, um artigo do professor Gilmar de Carvalho publicado no Diário do Nordeste em 2003:

TRADIÇÃO

O cordel multimídia de Lucas Evangelista
Por: GILMAR DE CARVALHO


Dizer que a trajetória de Lucas Evangelista daria um cordel é pouco (e óbvio). Sua vida tem muito de estratégia de sobrevivência para sair da enxada e fazer o show das praças, como um jogral contemporâneo. Curioso que ele venha de Crateús e não de Juazeiro do Norte, principal pólo desta manifestação em sua versão impressa. Interessante como ele consegue trabalhar a tradição, se apropria das tecnologias, dos formatos do “show-bizz” e mescla o popular com o massivo.
Com o folheto, fita cassete, “cd”, viajando sertão afora, empunhando uma viola, ao microfone das rádios, fazendo dupla com Luzia Dias e compondo canções com as quais seu público se identifica, Lucas Evangelista é um nome respeitado no campo da oralidade, pelo talento, persistência e sagacidade para acompanhar a dinâmica da cultura. Lucas Evangelista nasceu na localidade de Lameirão, “pertencente a Ingá, que antigamente era Piauí”, município de Crateús, dia 6 de maio de 1937.
O pai, Josias Miranda, morreu quando ele tinha cinco anos; a mãe Maria Lucas Evangelista, se foi há uns quatro anos. O casal teve outro filho, Pedro Evangelista, nascido em 1939).
A família gostava muito de poesia, dos folhetos de cordel. “Era só o que eu ouvia, minha mãe cantando a história do Pavão (Misterioso) e meu pai recitando Juvenal e o dragão”. Ele foi aprendendo aquelas histórias todas: “aquilo ficou bonito na minha cabeça”.

O pai, pequeno proprietário de terras (“eram muito poucas”), que ele mesmo cultivava, morreu de sezão. Venderam o que ele tinha e foram para Independência, a terra da mãe, “do povo dela” e de lá seguiram para Pedra Branca: “ficamos naquela vida de agricultor do sertão”.
A mãe tinha que se sujeitar “a raspar mandioca, fazer farinha e apanhar feijão, no tempo do inverno”. Lucas estudou pouco e confessa que foi sempre “muito relaxado”. Devido às dificuldades financeiras da mãe, “freqüentei um pedaço aqui, um pedaço acolá, tudo pela metade, porque naquele tempo ninguém tinha essas facilidades que se tem hoje em dia”.

As primeiras lembranças são do tempo em que ia espantar passarinhos e cantar versos para os meninos da fazenda, às vezes aboiando. “Pensavam que eu tava cantando porque tinha decorado, mas eu tava era inventando as histórias...”.
Profissão


O que era feito como brincadeira tornou-se meio de vida. Lucas não tinha mesmo vocação para a agricultura, seu espírito era livre, nômade, como os trovadores de feira.
Quando tinha por volta de quatorze anos a mãe se mudou para Fortaleza, “depois de ter descido esse sertão todinho”. Lucas passou a trabalhar na fábrica de tecidos São José e comprou o primeiro violão de um evangélico, que lhe ensinou “umas posiçõesinhas, a acompanhar para o meu gasto”.
Adquiriram uma casinha na beira da praia, no Pirambu. Mas não dava para viver de poesia e Lucas, ajudante, depois fiandeiro, ficava aturdido com “aquele zum-zum da fábrica” e quando trabalhava à noite, para fazer um extra, contrariando a lei que protegia os menores, sonolento, “sentia a poesia em ebulição e começava a fazer versos, tudo que vinha na minha cabeça eu cantava e depois passava para o papel”.
Os primeiros versos foram a partir dos contos de fadas. Mas “eu era invocado mesmo com histórias de aventuras, negócio de brabeza desses cabras bons do sertão, história de moça bonita casando com cabra valente”.
Fonte: Jornal Diário do Nordeste - Caderno 3 - 01/Set/2003

Arievaldo Viana, Lucas Evangelista e Rouxinol do Rinaré
(Bienal do Livro de Fortaleza-CE)


VEJA TAMBÉM, NA SÉRIE "MESTRES DO CORDEL":

I - MESTRE AZULÃO

II - SEVERINO MILANÊS DA SILVA

III - JOAQUIM BATISTA DE SENA


sábado, 21 de maio de 2011

INFLUÊNCIAS IBÉRICAS

PRESENÇA DE AUTORES ERUDITOS
DE PORTUGAL E ESPANHA NA
LITERATURA DE CORDEL*

Arievaldo Viana

História da Donzela Teodora, cordel de
Leandro Gomes de Barros editado por
João Martins de Athayde

Têm-se a errônea impressão de que os poetas populares são pessoas semi-analfabetas e de pouca incursão pelo campo literário.  Esse equívoco foi reforçado, de certo modo, pela figura brilhante de Antônio Gonçalves da Silva, o popular Patativa do Assaré, um poeta roceiro, que escrevia seus poemas na linguagem rude própria dos sertanejos. É bom que se esclareça que Patativa também compôs sonetos na linguagem convencional e era leitor assíduo de Camões, Castro Alves, Gonçalves Dias e outros poetas eruditos. Um analfabeto jamais teria condições de produzir uma obra com a qualidade de seus escritos, aparentemente simples, mas de grande profundidade filosófica. Outra questão que deve ser trazida à luz refere-se aos poetas Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá de Lima, João Martins de Athayde, João Melchíades Ferreira, José Galdino da Silva Duda, José Camelo de Melo e Francisco das Chagas Batista, considerados os grandes mestres da Literatura de Cordel. Todos tinham uma razoável formação intelectual, sendo que este último era dono de livraria e editora na capital da Paraíba. Manoel D’Almeida Filho, Manoel Camilo dos Santos e Joaquim Batista de Sena, poetas da segunda geração, também primavam pela correção ortográfica e eram dados a leituras eruditas. Batista de Sena chegou a confessar ao pesquisador José Vidal Santos, que havia lido todos os verbetes do Dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda, com o intuito de melhorar seu vocabulário e empregar corretamente as palavras em seus poemas. Cantadores contemporâneos como Ivanildo Vilanova, Geraldo Amâncio e Oliveira de Panelas possuem, igualmente, uma grande bagagem cultural. O mesmo pode-se dizer de vários cordelistas da atualidade, dentre os quais destacaríamos Marco Haurélio, Gonçalo Ferreira, Manoel Monteiro, Rouxinol do Rinaré, dentre outros.
Uma prova evidente de que os mestres da poesia popular possuíam grande intimidade com as letras está na quantidade de folhetos e romances baseados em clássicos da literatura mundial, como “As mil e uma noites”, “Romeu e Julieta”, “Decamerão” e, evidentemente, o Antigo Testamento.
Mas, já que o tema central de nossa palestra são as influências ibéricas na poesia popular nordestina, passaremos a enumerar agora algumas obras literárias de Portugal e Espanha que serviram de inspiração para os nossos trovadores:

O drama O RICO AVARENTO da autoria do poeta português Bento Teixeira (Porto, 1560 – 1618) foi adaptado para Literatura de Cordel pelo paraibano Belarmino Nunes de França.
A obra PEDRO SEM, QUE JÁ TEVE E AGORA NÃO TEM, da autoria de Luís Antônio Bergain (natural de Havre, 1812) foi transformado em “HISTÓRIA DE PEDRO CEM” por  Leandro Gomes de Barros e posteriormente por Apolônio  Alves dos Santos.
O romance AMOR DE PERDIÇÃO, do grande escritor português Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825-1890) possui versão em cordel atribuída a João Martins de Athayde. Camilo escreveu também “A Vida de José do Telhado”.  Os poetas populares Antônio Teodoro dos Santos e Rodolfo Coelho Cavalcante utilizaram o personagem Zé do Telhado em folhetos de sua autoria.
O romancista espanhol Henrique Pérez Escrich escreveu a obra O MÁRTYR DO GÓLGOTHA, da qual possuímos uma edição de 1891, impressa em Porto e traduzida por J. Cruzeiro Seixas. Este romance teve grande aceitação em todo o Nordeste brasileiro e gozou de grande popularidade junto aos cantadores do passado. Era, ao lado do livro de Carlos Magno e do Lunário Perpétuo, leitura obrigatória para os poetas que cantavam “ciência” no passado.  Serviu também de fonte de inspiração para diversos poetas como Severino Borges da Silva, Manoel Pereira Sobrinho, Maria Batista Neves Pimentel e Francisco das Chagas Batista, todos paraibanos. Existem dois folhetos com o título O JUDEU ERRANTE, um de Manoel Pereira Sobrinho, outro de Severino Borges da Silva, que são claramente influenciados pela narrativa de “O Mártyr do Gólgotha”. Chagas Batista escreveu a HISTÓRIA DE DIMAS, O BOM LADRÃO, que também denota influências da referida obra. Já Maria das Neves Batista Pimentel escreveu O VIOLINO DO DIABO, inspirado em romance do mesmo nome, da autoria do citado Pérez Escrich.

Joaquim Batista de Sena, paraibano de Solânea, escreveu o poema AS SETE ESPADAS DE DORES DE MARIA SANTÍSSIMA claramente inspirado no romance de Pérez Escrich, notadamente na passagem que relata o encontro da Sagrada Família com Dimas, o bom ladrão, nos desertos das Judéia:

Inspirai-me ó Virgem Pia
Mãe de Deus, mãe amorosa
Para em poema versar
A coroa dolorosa
E ver se colho uma lágrima
Da pessoa impiedosa.

Quem subir o pensamento
Vai do Gólgota observando
Jesus pregado na cruz
A sua vida ultimando
Maria ao pé do lenho
Seus tormentos contemplando.

Os tormentos de Jesus
São os mesmos de Maria
Quando furavam seu filho
O seu coração feria
Ele sofria no corpo
Ela na alma sofria.

E não foi só no Calvário
Aquelas lágrimas sentidas
Mas toda a sua existência
Foi de dores comovidas
Era uma sobre a outra
Como ondas embravecidas.

A primeira dor foi quando
Jesus Cristo foi à pia
Que o velho Simeão
Tomou ele de Maria
E com a profetisa Ana
Declarou-lhe a profecia:

- Senhora, esse vosso filho,
Disse o velho Simeão
Será para vós motivo
De lágrimas, dor e paixão
E por ele, sete espadas
Transpassam o teu coração.

(...)

A segunda dor foi quando
Veio um anjo lhe avisar
Que fugisse para o Egito
E deixasse o seu lugar
Que Herodes o perseguia
Para o menino matar.

(...)

Numa noite tenebrosa
De relâmpagos e trovões
Seguia a Virgem chorando
São José em orações
Caíram em cerco de Dimas
Com o coito de ladrões.

São José amedrontado
Estacou naquele canto
A Virgem escondeu o filho
por debaixo do seu manto
Pensando ser os judeus
Pra matar seu filho santo.

São José pediu a eles
Por Jeová, Deus divino,
Que mal vos fez essa mãe
Com esse pobre menino,
Para banhar nosso sangue
Nesse punhal assassino?

Com a maior piedade
Falou Dimas, bom ladrão,
Nenhum desses meus capangas
Te tocará com a mão
E levou-os ao seu castelo
Comovido em compaixão.

Seguindo a mesma linha adotada pelos grandes mestres da Literatura de Cordel, desenvolvi e apresentei ao público (do Congresso Internacional de Professores da Língua Espanhola) um trabalho de nossa autoria denominado “A FORÇA DO SANGUE”, um cordel de 32 páginas baseado numa novela exemplar de Miguel de Cervantes, do qual apresentamos algumas estrofes:

Para o leitor que aprecia
Um bom romance rimado
Leia agora este episódio,
Há muito tempo passado.
Em Toledo, na Espanha,
Por Cervantes foi narrado.

Em Novelas Exemplares
Se encontra essa história
Eu a li quando criança
E ainda trago na memória
Narra um grande sofrimento
Com final cheio de glória

Um cidadão de Toledo
Retornava com a família
De um passeio vespertino
Por uma sinuosa trilha
Com a  mulher, um menino
E também sua linda filha.

(...)

* Esse texto é um fragmento da palestra “Influências Ibéricas na Literatura de Cordel”, que proferi em 2002 num congresso de professores de língua espanhola, realizado em Fortaleza-CE.

Enrique Pérez Escrich, escritor
espanhol de sucesso no final do século XIX

Sexta edição brasileira de "O martyr do Gólgotha"

O DISCO DA SEMANA

A influência da Literatura de Cordel está presente no
primeiro disco-solo do cantor cearense EDNARDO

Ednardo - O Romance do Pavão Mysterioso [1974]




(Texto de Klaudia Álvarez - Blog Música do Ceará)
O Romance do Pavão Mysteriozo é o primeiro disco solo de Ednardo, ainda com a referência “Do Pessoal do Ceará” abaixo de seu nome e acaba de ser relançado em CD graças ao trabalho do Titã Charles Gavin, que vem realizando grandes relançamentos da MPB.

Ednardo sempre foi um artista inovador e à frente de seu tempo como prova a capa do LP, bastante avançada e incomum para a época, com a foto do artista colocada propositalmente em posição invertida, fazendo com que a gente vire o disco, pensando que a abertura está no lugar errado!

Usada como tema da novela “Saramandaia” em 1976, a música título - um maracatu cearense - não só trouxe o ritmo para todo o país como tornou Ednardo um nome consagrado nacionalmente. Até hoje é impossível que ele faça um show e não toque o “Pavão” que virou sua marca registrada. O LP tem outros destaques como a incrível “Carneiro” sua parceria com Augusto Pontes e a deliciosa “Dorothy Lamour”, uma parceria dos sonhos para qualquer admirador da música cearense: Petrúcio Maia e Fausto Nilo.

FICHA TÉCNICA
Supervisão Geral - Osmar Zandomenigui
Coordenação Geral - Antonio de Lima
Coordenação Artística e Direção de Estúdio - Walter Silva
Técnicos de Som - Stelio Carlini / G. João Kibelkstis (Joãozinho) / Edgardo Alberto Rapetti
Técnicos de Mixagem - Walter Lima / Edgardo Alberto Rapetti
Fotos - Gerardo Barbosa Filho
Direção de Arte das Capas - Tebaldo
Desenhos - Ednardo
Gravação e Mixagem - Estúdio A da RCA em São Paulo - 16 Canais

MÚSICOS
Arranjos e Regências - Hareton Salvanini / Heraldo do Monte / Isidoro Longano
Sobre idéias de arranjos musicais de Ednardo
Violão e Percussões - Ednardo
Viola e Guitarra - Heraldo do Monte
Flauta e Sax Tenor - Isidoro Longano (Bolão)
Banjo - Luiz de Andrade
Contra Baixo (Acústico e Elétrico) - Gabriel J. Bahlis
Bateria - Antonio de Almeida (Toniquinho)
Tímpanos - Ernesto de Lucca
Tumbadoras - Rubens de S. Soares
Percussões - José Eduardo P. Nazário / Jorge H. Silva / Dirceu S. de Medeiros (Xuxu)
Piano Cravo (elétrico) - José Hareton Salvanini
Flauta / Pícolo - Demétrio S. de Lima
Flauta / Sax Alto - Eduardo Pecci
Clarinete - Franco Paioletti
Oboé - Benito S. Sanchez
Baixo Tuba - Drausio Chagas
Pistons - Sebastião J. Gilberto (Botina) / Settimo Paioletti
Trombones -Roberto J. Galhardo / Antônio Secato
Violoncelos - Ezio Dal Pino / Flabio Antonio Russo
Violinos - Jorge G. Izquierdo / Oswaldo J. Sbarro / Caetano D. Finelli / Dorisa Soares
Antonio F. Ferrer / German Wajnrot / Alfredo P. Lataro / Joel Tavares
Participação Especial - Amelinha no Vocal da faixa "Ausência"

Faixas:
CARNEIRO
(Ednardo / Augusto Pontes)
AVIÃO DE PAPEL
(Ednardo)
MAIS UM FREVINHO DANADO
(Ednardo)
AUSÊNCIA
(Ednardo)
VARAL
(Ednardo / Tânia Araújo)
DOROTHY LAMOUR
(Petrúcio Maia / Fausto Nilo)
DESEMBARQUE
(Ednardo)
TREM DO INTERIOR
(Ednardo / Fausto Nilo)
ALAZÃO (CLARÕES)
(Ednardo / Brandão)
A PALO SECO
(Belchior)
ÁGUA GRANDE
(Ednardo / Augusto Pontes)
PAVÃO MYSTERIOZO
(Ednardo)

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Fonte: http://poeiraecantos.blogspot.com/2008/01/ednardo-o-romance-do-pavo-mysterioso.html