Exposição
"O Mundo Brasileiro de Jô
Oliveira"
Galeria "SEZONI" - Sófia, Bulgária
JÔ OLIVEIRA, UM ILUSTRADOR DO BRASIL
Por: Rui de Oliveira
Para traçar algum perfil, mesmo
que de forma sucinta, da obra do ilustrador Jô Oliveira, temos que antes
situá-lo culturalmente, bem como entender um pouco as peculiaridades da
formação histórica, social e cultural do Brasil. Isto se faz necessário, sendo realmente
uma premissa básica diante do profundo envolvimento do artista com as questões
da cultura popular da região do nordeste brasileiro, matriz principal e
conteúdo básico de sua obra.
O Brasil, diferente de outros
países latino-americanos, foi colonizado pelos portugueses, do qual herdamos a
sua cultura, e o belo e rico idioma português. Outro fato decisivo para se
entender o imaginário do brasileiro, e na esteira disso compreendermos melhor a
obra do Jô, é que, também diferente dos outros países do continente, nós
tivemos uma longa monarquia. Primeiramente como colônia de Portugal e, a partir
de 1822, com a independência nos tornamos um Reino autônomo. A seguir, tivemos
dois Reinados que se estenderam até 1889, quando foi então proclamada a República.
A longa presença da monarquia no
Brasil, e não há espaço aqui para citar suas consequências no universo político
e cultural, deixou, por conseguinte, um legado principalmente nas raízes da
cultura popular. Os imaginários monárquico, barroco e medievalista são muito
presentes até hoje nas tradições populares. Apesar de o Brasil não ter tido
Idade Média, este fantasioso medievo brasileiro marca a sua presença na música,
na literatura, na pintura, e nos folguedos do povo, principalmente no nordeste
do Brasil. Que é, como acima foi dito, uma das principais fontes da obra de Jô
Oliveira.
Em toda a sua obra, desde o tempo
de sua formação acadêmica, tanto no Brasil, quanto na Hungria, subjazem em suas
ilustrações, cartazes e selos um amplo entendimento do que seja a multicultural
realidade brasileira. Isto se explica na obra do Jô, pelo fato de os seus
objetivos artísticos não ficarem unicamente restritos à cultura nordestina, por
exemplo. Diversos de seus livros documentam o interesse em expressar, de forma
abrangente, a cultura, a alma do povo brasileiro por meio de um grafismo
baseado em fontes afro-brasileiras, indígenas e ibéricas.
Tive o privilégio de acompanhar
de perto todo este seu longo trajeto. As origens culturais que sedimentam o seu
trabalho começam pelos estudos feitos pelo artista dos ícones bizantinos, dos
retratos de Fayum e pela gravura popular russa, o Lubok. A gravura popular
alemã e mexicana também tiveram grande influência em seu trabalho. Todo este
amálgama resultou num trabalho essencialmente brasileiro, mas profundamente
universal. O seu processo de criação transcende, em muito, os limites do
folclórico, muito menos dos aspectos de uma arte naife.
Lembro que em certa ocasião — e
narro pela primeira vez este fato que elucida e nos faz entender melhor a sua
obra — eu estava com ele viajando pela Bulgária, quando éramos jovens
estudantes em Budapeste, e, em determinado momento, caminhando por Sófia, nos
deparamos com a belíssima Catedral de Alexander Nevski. Por destino, ou algum
outro motivo que me foge à compreensão, aos entrarmos na igreja e assistirmos
ao belo ritual de uma missa ortodoxa, nos deparamos com uma porta, salvo
engano, à direta da nave central da catedral. Abrimo-la, de forma curiosa, como
devem ser por vezes os jovens... Ao descermos as escadas, encontramos um acervo
maravilhoso de ícones búlgaros.
Jô e eu também ficamos
maravilhados. Até então, não tínhamos nenhum contato físico com os ícones. O Jô
encontrou esteticamente aquilo que procurava. Acredito — opinião pessoal minha
— que ele tenha, naquela visita imprevista, materializado espiritualmente o seu
futuro trabalho como artista gráfico, designer e ilustrador.
Diante deste fato, peço a atenção
especial dos visitantes búlgaros para esta pequena mostra da imensa obra do artista.
E, neste sentido, procurem outras fontes para conhecer de forma mais ampla o
seu trabalho. Como disse acima, uma obra ao mesmo tempo singular, pessoal e
universal. Jô Oliveira é o ilustrador do povo brasileiro.
Rui de Oliveira, ilustrador e
escritor – Rio de Janeiro –Janeiro 2019.
Com Jô Oliveira, na BIENAL DE SÃO PAULO 2018
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