JOSÉ PACHECO DA ROCHA,
O MESTRE DO
GRACEJO
Fotografia de JOSÉ PACHECO, restaurada por Klévisson Vianna
Sempre tive profunda
admiração pela obra do poeta pernambucano José Pacheco da Rocha, autor, dentre
outros, do clássico ‘A chegada de Lampião no Inferno’. Mestre do gracejo, com
pleno domínio da métrica e da rima, sobressaía-se mais ainda na condução do
enredo, que os estudiosos do cordel classificam como “oração”, ou seja, a
sequência dos fatos relatados, já que o cordel é, por excelência, uma poesia
narrativa.
Dentre os muitos
folhetos de gracejo escritos pelo poeta, destacam-se ainda “A intriga do
Cachorro com o Gato”, “A vaca da costela de pau”, “Encontro de Lampião com a
Velha Feiticeira”, “Grande debate de Lampião com São Pedro” e este intitulado “A
FESTA DOS CACHORROS”, que é o meu predileto, embora seja um dos menos conhecidos.
Seguem algumas estrofes
desse maravilhoso folheto, descrevendo o modus
vivendi da cachorrada:
Havia um cachorro velho
Chefe da localidade
Os outros lhe veneravam
Com respeitabilidade
Tanto porque era o chefe
Como pela sua idade.
Tinha uma filha bonita
Trabalhava em seu socorro
Dessas que se diz assim:
- Por aquela eu mato e morro
Capaz de embelezar
O coração de um cachorro.
Certo dia um primo dela
Vindo de uma batucada
Passando pelo terreiro
Ela estava acocorada
Catando pulga e matando
No batente da calçada.
- Bom dia, querida prima!
O cachorro assim falou.
Ela respondeu: - Bom dia,
E disse, como passou?
- Então, como vai meu tio?
O mesmo lhe perguntou.
E palestraram bastante
Cada qual mais satisfeito
Foi um namoro pesado
Porém com muito respeito
Mas para se apartarem
Quase que não tinha jeito.
Trocaram dúzias de beijos
Ambos ali abraçados
Choravam um pelo outro
E todos dois agarrados,
Devido a grande amizade
Quase que ficam pegados.
Chegou em casa escreveu:
"Prima do meu coração,
eu não posso deslembrar-me
de tua linda feição,
portanto venho pedir-te
tua delicada mão.
Recomendações à todos,
Um abraço em minha tia
Sem mas assunto desculpe
A ruim caligrafia
Deste teu primo Cachorro,
Etcetera & companhia."
Depois fez no envelope
Um ramalhete de flor
Ele mesmo foi levar
Pra dar mais prova de amor
E mesmo é muito custoso
Cachorro ter portador.
(...)
Quando os pais e os
irmãos da ‘moça’ tomaram conhecimento das intenções do Cachorro enamorado,
foram radicalmente contra àquela união por ele almejada. O motivo? O dito
cachorro além de ser “cachaceiro” era liso e desempregado:
Disseram: - Ele é parente,
Mas anda de cachaçada,
É um liso, não trabalha
Portanto não vale nada!
E por fim até juraram
De botar-lhe uma emboscada.
A Cachorra noiva disse:
- A ele vocês não comem,
E acho conveniente
Que nova reforma tomem
Porque eu só não me caso
Se Cachorro não for homem!
- Ou fazem meu casamento,
Ou então de madrugada,
Eu vou arribar com ele
E fico sendo amigada
Embora a nossa família
Fique desmoralizada!
O velho considerando
Da desmoralização,
Disse pra ela: - Eu te caso,
Mas sustento a opinião
De nem cruzar teus batentes
Nem te botar mais benção!
(...)
Finalmente os familiares
da cachorra consentem seu casamento com o primo cachaceiro e, para não fazer
feio, resolvem fazer um banquete de arromba. Pacheco começa pela descrição dos
presentes recebidos pela noiva e os objetos que o Cachorro noivo adquiriu para
mobiliar sua casa:
Vamos tratar dos presentes
Que a noiva recebeu:
Sapato, roupa e capela,
A dona Preguiça deu
Aranha mandou um véu
Que ela mesma teceu
Guariba deu-lhe um buquê
Da barba do Guaribão
O Gato deu aliança
O Timbu uma loção
O Preá lhe deu um bilro
O Rato deu-lhe um botão.
O noivo também comprou
Agulha, linha e dedal
Uma panela e dois pratos,
Uma colher de metal,
Balaio de guardar ovos
Vasilha de botar sal.
Abano, esteira, pilão
Um ralo e um samburá
Marmita, gamela e cuia
Vassoura, estopa e puçá
Fez a conta e depois disse:
- Pra quem é pobre já dá!
No dia do casamento
Estava tudo arrumado,
Faltava somente a carne
Para tratar do guisado
Com pouco, cada cachorro
Chegava mais carregado.
Um trazia um pinto morto,
(Não sei onde foi achá-lo )
Outro trazia também
Uma ossada dum galo.
Teve um que trouxe até
A ossada dum cavalo.
Vinha um com tanto troço
Que no caminho quase cansa,
Uma queixada de burro
Os encontros de uma gansa
Pedaços de couro velho
Pontas de boi da matança.
O mais engraçado de tudo
é o “asseio” da cozinheira contratada para fazer o banquete. Uma cachorra velha
parteira, que se encontravam doente de rabugem e catarro:
Uma parenta do velho
Era até boa parteira
Pegava cachorro novo
Ali naquela ribeira
Por ser curiosa e limpa
Foi servir de cozinheira.
Chegou e disse: - Meu povo,
Eu vim porque fui chamada,
Porém estou com rabugem
E muito encatarroada
O dono da casa disse:
- Ora comadre, isto é nada!
- Temos aí muita carne
Arroz, macarrão, farinha,
Guise lombo, faça bife,
Torre porco, asse galinha,
Eu quero é que todos digam
Que na festa tudo tinha.
- Está certo meu compadre!
Disse um cachorro cotó,
Disse a noiva: - Sendo assim,
Eu hoje encho o bozó.
Disse o noivo: - Eu como tanto,
Chega o rabo dá um nó!
BIOGRAFIA DO POETA JOSÉ PACHECO
Por Leonardo Vieira de Almeida*
José Pacheco da Rocha, ou José
Pacheco, como é mais conhecido, nasceu no Município de Corrientes, em
Pernambuco, residindo algum tempo na cidade de Caruaru, naquele mesmo estado.
Viveu muitos anos em Maceió, Alagoas,
vindo a falecer naquela cidade, provavelmente em 1954. Folhetos de sua autoria
foram publicados pela Luzeiro Editora, de São Paulo. Recentemente, a Editora
Queima-Bucha, de Mossoró (RN), publicou o folheto A intriga do cachorro com o
gato. Além disso, há edições de suas obras pela Catavento, de Aracaju (SE);
Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte (CE); Coqueiro, de Recife (PE), e por
outras editoras.
Seus folhetos mais importantes são
História da princesa Rosamunda ou a morte do gigante e A chegada de Lampião no
inferno. As histórias de gracejos são um dos aspectos marcantes dos cordéis de
José Pacheco, considerado um dos maiores cordelistas satíricos do Brasil. Mas o
poeta se dedicou também a outros temas, como histórias de bichos, religião e
romances.
Referências
▪ GOVERNO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria do Estado de Ciência e Cultura e
Departamento de Cultura – INEPAC/Divisão de Folclore. O cordel no Grande Rio.
Rio de Janeiro: 1978.
▪ LOPES,
Ribamar. Literatura de cordel: antologia. Fortaleza (CE): 1983, BNB.
▪ PROENÇA,
Manoel Cavalcanti (Org.). Literatura popular em verso: antologia. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Rio de
Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1986.
▪ CARDOSO,
Tânia Maria de Souza Cardoso. Cordel, cangaço e contestação: uma análise dos
cordéis "A chegada de Lampião no inferno" (José Pacheco da Rocha) e
"A chegada de Lampião no céu" (Rodolfo Coelho Cavalcante). Rio Grande
do Norte: Coleção Mossoroense, 2003.
* FONTE: CASA
DE RUI BARBOSA
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