sexta-feira, 4 de abril de 2014

FLIPINHA 2014



ENTREVISTA DE ARIEVALDO VIANA PUBLICADA NO MANUAL DA 
FLIPINHA 2014 - PARATY-RJ



Arievaldo Viana Lima por Arievaldo Viana Lima.
Sou um poeta matuto inserido num ambiente urbano que teima em manter as suas origens como forma de preservação da sua identidade cultural. Mas também procuro absorver outras culturas, palmilhar outros “sertões”, voar por outras latitudes, sem perder as referências da infância e do ambiente onde fui criado. Considero-me um escritor sintonizado com a nova realidade do mercado editorial, com as modernas técnicas de impressão e divulgação virtual dos textos, mas não quero esquecer o caminho da cacimba dos saberes, do manancial sagrado que sempre alimentou a minha imaginação: Fonte das Coronhas, um lugar real, situado no sopé do serrote dos Três Irmãos, na divisa dos municípios de Canindé, Quixeramobim e Quixadá. Foi ali que eu nasci e era ali que meu pai colhia água potável e a conduzia no lombo de dois jumentos, cantando folhetos de cordel em voz alta, para encurtar o nosso caminho.
Ter nascido em Quixeramobim, sertão mítico do Ceará, terra de Antônio Conselheiro, deve ter trazido para sua infância inúmeras histórias e imagens. Como o seu território influencia sua obra?
Estou envolvido com uma pesquisa histórica que remete às minhas origens sertanejas e à região onde fui nascido e criado. Começou quando o Instituto C&A me encomendou um texto sobre minha infância. Relembrei os lugares, brincadeiras e pessoas com quem convivi. Deparei com a casa que foi construída pelo meu trisavô Miguel José de Sousa Mello, por volta de 1850, de taipa e tijolo, ainda de pé graças às vigas de aroeira que a sustentam. Quantas histórias aconteceram ali! Minha avó me contava que as onças desciam de uma serrania próxima e esturravam no terreiro de casa. Uma vez comeram um bode debaixo do alpendre da velha moradia! Mergulhei fundo e recolhi fragmentos de mais de 200 anos de história. O achado mais interessante foram os versos escritos pelo meu bisavô Francisco de Assis e Souza e as anotações de Olympio de Souza Vianna, avô de minha mãe.


Fale um pouco da sua infância e do momento em que você percebeu que seu caminho era a poesia popular.
Tudo começou com minha avó Alzira Vianna de Souza Lima e meu pai, Evaldo, que eram leitores contumazes de folhetos de cordel. Eles já haviam herdado esse hábito de seus antepassados. Acho que esse gosto pela poesia popular já veio formatado no meu DNA. É uma coisa muito forte da qual nunca pude fugir.
Como é sua rotina de trabalho? Como é seu processo criativo?
Eu leio, observo muito e, principalmente, bebo na fonte. Gosto de conversar com pessoas do povo, nos ônibus que vão para o interior do Nordeste, nos mercados e feiras das cidades mais distantes do litoral. Gosto de ouvir os cantadores, os emboladores. Quando se trata da adaptação de um clássico da literatura, procuro sempre moldá-lo numa linguagem escorreita e acessível a públicos diversos, de 8 a 80 anos de idade.
Conte um pouco sobre o que é o projeto Acorda Cordel na Sala de Aula. Como é trabalhar com a linguagem do cordel para alfabetizarjovens e adultos?
O projeto Acorda Cordel foi implantado em 2002 pela Secretaria de Educação de Canindé, na alfabetização de jovens e adultos. Foi lançado em âmbito nacional em dezembro de 2002, em Brasília, em um evento promovido pela Comissão de Educação da Câmara Federal. Nos seus dez anos de atividade, o projeto foi apresentado em dezenas de capitais e cidades do interior, de norte a sul do Brasil, tendo grande repercussão entre estudantes, professores e arte-educadores. O kit do projeto foi lançado com grande sucesso, em abril de 2005, em tiragem inicial de 2.500 exemplares, que se esgotou rapidamente. Em 2010, saiu uma segunda edição do Acorda Cordel, com tiragem de 3 mil exemplares. Ao todo, já foram impressos e distribuídos mais de 5 mil kits do projeto.
Estamos perguntando a cada autor qual o projeto de leitura dos seus sonhos. Ou seja, qual o projeto que você gostaria que fizessem com seus livros na escola e que ainda não fizeram?
Fui alfabetizado lendo folhetos de cordel guardados em uma maleta, que para mim tinha ares de coisa encantada. Meu sonho é ver minha obra reunida numa maletinha de madeira, entre livros e folhetos de cordel, e sendo distribuída nas bibliotecas escolares. É o projeto que batizei de Mala de Romances, um desdobramento do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula. Aliás, não apenas a minha obra, mas também a de outros autores. Seria uma espécie de biblioteca de cordel, ou cordelteca, com a vantagem de ser ambulante e passar de sala em sala, de escola em escola, sem muitas dificuldades.


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