ENTREVISTA DE ARIEVALDO VIANA PUBLICADA NO MANUAL DA
FLIPINHA 2014 - PARATY-RJ
Arievaldo Viana Lima por Arievaldo Viana Lima.
Sou um poeta
matuto inserido num ambiente urbano que teima em manter as suas origens como
forma de preservação da sua identidade cultural. Mas também procuro absorver
outras culturas, palmilhar outros “sertões”, voar por outras latitudes, sem
perder as referências da infância e do ambiente onde fui criado. Considero-me
um escritor sintonizado com a nova realidade do mercado editorial, com as
modernas técnicas de impressão e divulgação virtual dos textos, mas não quero
esquecer o caminho da cacimba dos saberes, do manancial sagrado que sempre
alimentou a minha imaginação: Fonte das Coronhas, um lugar real, situado no
sopé do serrote dos Três Irmãos, na divisa dos municípios de Canindé,
Quixeramobim e Quixadá. Foi ali que eu nasci e era ali que meu pai colhia água
potável e a conduzia no lombo de dois jumentos, cantando folhetos de cordel em
voz alta, para encurtar o nosso caminho.
Ter nascido em Quixeramobim, sertão mítico do Ceará, terra
de Antônio Conselheiro, deve ter trazido para sua infância inúmeras histórias e
imagens. Como o seu território influencia sua obra?
Estou
envolvido com uma pesquisa histórica que remete às minhas origens sertanejas e
à região onde fui nascido e criado. Começou quando o Instituto C&A me
encomendou um texto sobre minha infância. Relembrei os lugares, brincadeiras e
pessoas com quem convivi. Deparei com a casa que foi construída pelo meu
trisavô Miguel José de Sousa Mello, por volta de 1850, de taipa e tijolo, ainda
de pé graças às vigas de aroeira que a sustentam. Quantas histórias aconteceram
ali! Minha avó me contava que as onças desciam de uma serrania próxima e
esturravam no terreiro de casa. Uma vez comeram um bode debaixo do alpendre da
velha moradia! Mergulhei fundo e recolhi fragmentos de mais de 200 anos de
história. O achado mais interessante foram os versos escritos pelo meu bisavô
Francisco de Assis e Souza e as anotações de Olympio de Souza Vianna, avô de
minha mãe.
Fale um pouco da sua infância e do momento em que você
percebeu que seu caminho era a poesia popular.
Tudo começou
com minha avó Alzira Vianna de Souza Lima e meu pai, Evaldo, que eram leitores
contumazes de folhetos de cordel. Eles já haviam herdado esse hábito de seus
antepassados. Acho que esse gosto pela poesia popular já veio formatado no meu
DNA. É uma coisa muito forte da qual nunca pude fugir.
Como é sua rotina de trabalho? Como é seu processo
criativo?
Eu leio,
observo muito e, principalmente, bebo na fonte. Gosto de conversar com pessoas
do povo, nos ônibus que vão para o interior do Nordeste, nos mercados e feiras
das cidades mais distantes do litoral. Gosto de ouvir os cantadores, os
emboladores. Quando se trata da adaptação de um clássico da literatura, procuro
sempre moldá-lo numa linguagem escorreita e acessível a públicos diversos, de 8
a 80 anos de idade.
Conte um pouco sobre o que é o projeto Acorda Cordel na
Sala de Aula. Como é trabalhar com a linguagem do cordel para alfabetizarjovens
e adultos?
O projeto
Acorda Cordel foi implantado em 2002 pela Secretaria de Educação de Canindé, na
alfabetização de jovens e adultos. Foi lançado em âmbito nacional em dezembro
de 2002, em Brasília, em um evento promovido pela Comissão de Educação da
Câmara Federal. Nos seus dez anos de atividade, o projeto foi apresentado em
dezenas de capitais e cidades do interior, de norte a sul do Brasil, tendo
grande repercussão entre estudantes, professores e arte-educadores. O kit do
projeto foi lançado com grande sucesso, em abril de 2005, em tiragem inicial de
2.500 exemplares, que se esgotou rapidamente. Em 2010, saiu uma segunda edição
do Acorda Cordel, com tiragem de 3 mil exemplares. Ao todo, já foram impressos
e distribuídos mais de 5 mil kits do projeto.
Estamos perguntando a cada autor qual o projeto de leitura dos
seus sonhos. Ou seja, qual o projeto que você gostaria que fizessem com seus
livros na escola e que ainda não fizeram?
Fui
alfabetizado lendo folhetos de cordel guardados em uma maleta, que para mim
tinha ares de coisa encantada. Meu sonho é ver minha obra reunida numa
maletinha de madeira, entre livros e folhetos de cordel, e sendo distribuída
nas bibliotecas escolares. É o projeto que batizei de Mala de Romances, um
desdobramento do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula. Aliás, não apenas a
minha obra, mas também a de outros autores. Seria uma espécie de biblioteca de
cordel, ou cordelteca, com a vantagem de ser ambulante e passar de sala em
sala, de escola em escola, sem muitas dificuldades.
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