Município de São Rafael, no Rio Grande do Norte
Às vezes
minha avó Alzira tinha umas conversas fragmentadas, um tanto misteriosas, que
fugiam inteiramente à minha compreensão de menino curioso e o jeito que havia era
perguntar até dizer “chega”, para tentar entender pelo menos vinte por cento do
assunto. Dentre essas conversas estavam as profecias de antigos pregadores que
palmilharam os nossos sertões infundindo uma fé sedimentada no terror e no fim
das Eras. Como ocorre desde que o mundo é mundo, profecia que se preza tem que
ser dita em linguagem cifrada, misteriosa, o que possibilita as mais variadas
interpretações.
Nessa lista
de profetas se incluíam Antonio Conselheiro, Padre Cícero, Frei Damião de
Bozzano e o mais acreditado de todos: o catastrófico Frei Vidal da Penha,
famoso missionário do Século XVIII, ainda lembrado em todos os quadrantes onde
realizou o seu apostolado. Para o povo Nordestino, esse profeta é mais
importante que o próprio Nostradamus. Minha avó dizia sempre que, estando ele
em Quixeramobim e tendo sido mal recebido por parte da população predisse que
aquela cidade um dia se tornaria “cama de baleia”, dando a entender que seria
inundada ou vítima de um grande abalo sísmico. Antônio Vicente Mendes Maciel, o
Conselheiro, deve ter sido fortemente influenciado pela crônica popular a
respeito deste célebre pregador. Sua profecia mais famosa anuncia que “o sertão
vai virar mar e o mar vai virar sertão”. De certo modo, isso cumpriu-se com a
construção da barragem de Cocorobó, que alagou o antigo Arraial de Canudos. E
Quixeramobim? Será que algum dia vai virar mesmo “cama de baleia”, como
predisse Frei Vidal?
Aliás,
diversas cidades foram ameaçadas com essa tétrica profecia, dentre as quais
Santana do Acaraú, onde um gaiato pregou uma peça de extremo mau gosto no
virtuoso sacerdote. Conta-se que tendo parado às margens do rio que corta
aquela cidade, Frei Vidal aproveitou para beber água e banhar-se, tendo deixado
o seu chapéu no galho de uma árvore. Um sujeito de maus bofes aproveitou sua
distração para defecar dentro do mesmo. Ao sair dali, Frei Vidal fez exatamente
como os apóstolos de Jesus, retirou suas sandálias, bateu o pó que as
impregnava e vaticinou que Santana estaria fadada a tornar-se “cama de baleia”
e crescer sempre para baixo, como o rabo de sua alimária. As cidades que nasceram às
margens do Rio Jaguaribe também foram ameaçadas com igual vaticínio, pois
segundo ele, Aracati seria a primeira da lista e as águas invasoras de um
possível Tsunami iriam transformar a
distante Icó em porto de navio.
Seu
verdadeiro nome era Vitale da Frascarolo (ou Frescolero). Esse missionário
capuchinho também é citado como Frei Vidal de Fraccardo. O nome “da Penha” é em
alusão ao convento de Nossa Senhora da Penha, localizado em Recife no estado de
Pernambuco, onde o mesmo vivia antes das suas missões. Italiano que peregrinava
pelos sertões de Pernambuco e Ceará nos últimos anos do século XVIII, tinha
como marca registrada a catequese dos habitantes e índios da região.
No Aracati
deu-se um fato extremamente curioso. Conta-nos em suas memórias o escritor José
Correia da Silva (O Aracati que eu vivi
- Editora Queima-Bucha, 2011) que de passagem por aquela cidade, Frei Vidal
estarreceu a todos com uma estranha revelação. Uma moça de certa posição social
engravidara e conseguira esconder sua gravidez até da própria família. Quando o
bebê nasceu, ela procurou livrar-se do mesmo, abandonando-o no mato. Tida com
virgem e virtuosa, freqüentava os atos litúrgicos e gostava de sentar-se nos
primeiros bancos da igreja. Quando Frei Vidal iniciou a sua pregação, uma cobra
enorme veio se contorcendo e entrou na igreja. O frade serenou o alvoroço da
turba dizendo que a mesma estava a procura de uma certa pessoa e que não faria
mal a ninguém. De fato a cobra parou exatamente diante da moça que havia se
livrado do bebê, fitando-a de maneira estranha. O padre teria dito então: -
Mulher, bota o teu seio para fora e amamenta o teu filho! Teria o Frei Vidal
adivinhado o crime daquela jovem ou teria sabido do fato através de alguma
beata mexeriqueira? Prefiro acreditar na primeira hipótese, pois a virtude
desse profeta italiano não é questionada por nenhum outro escritor.
Diz o mesmo
José Correia da Silva que em meados do Século XVIII, quando o avô de Santos
Dummont ainda nem era nascido, o frade profetizou que no Século XX “gafanhotos
de ferro haveriam de cruzar os ares”. Falou também de “cavalos sem cabeça
correndo pelas ruas”, cento e tantos anos antes da invenção do automóvel.
Bisbilhotando no Google e no Wikipédia,
duas ferramentas de grande valia para a pesquisa moderna, embora pouco
confiáveis, encontrei o seguinte:
“Era seu costume mandar
construir, por onde passava, igrejas e cruzeiros, muitos deles foram marcos
para o começo de formações de povoados e futuras cidades, como exemplo a cidade
de Itapajé e Bela Cruz no Ceará. Há registro de sua passagem por várias regiões
do Ceará. Também ficou famoso por suas profecias catastróficas de fim do mundo,
que por muitos anos permaneceram no imaginário da população local, que
acreditava em suas palavras, e propagavam seus relatos. Um fato peculiar de
suas profecias lendárias é que ele sempre mencionava "o rabo baleia"
ou "a baleia adormecida", animal que segundo ele, vivia adormecido
sob as cidades da região. Segundo ele, ao se acordar e se mover nas entranhas
da terra, a "baleia" provocaria grande devastação. Outra lenda, que
ele teria contado foi na cidade de Santana do Acaraú, afirmou que a mesma e
outras cidades vizinhas seriam inundadas por arrombamento de um açude pelo
movimento do lendário mamífero adormecido nas entranhas da terra, previa ainda
que esse açude seria construído no Rio Acaraú, afirmando ainda que o açude
teria nome de um pássaro. Lenda ou não o açude realmente fora construído, o
Açude Araras, e nos últimos anos diversas cidades da Região Norte do Ceará,
próximas a Sobral sofreram abalos sísmicos.
Por onde passava, a multidão ouvia-o
enternecida à sua palavra de ouro e fé. Ao longo do vale de Crateús, certo dia,
manhã clara de sol intenso, Frei Vidal bate a porta da casa grande do fazendão
do Coronel José Ferreira de Melo, onde foi recebido alegremente. Era uma honra
hospedar a figura singular e marcante do notável missionário. Anunciada a
prédica, juntou-se uma multidão de gente, vinda de toda parte. Foi nesta
oportunidade que Frei Vidal, fez veemente um apelo ao rico fazendeiro, no
sentido de que mandasse construir uma capela. Homens daqueles tempos idos e
vividos, não faltavam com a palavra, promessa feita, promessa cumprida.”
Hoje, Frei
Vidal da Penha empresta seu nome a uma movimentada rua da cidade de Crateús.
Teria ele predito a sina de municípios como Jaguaribara-CE e São Rafael-RN,
inundados pelas águas de suas barragens? E o Tsunami que tragará Fortaleza, que
há mais de cinco anos vem sendo anunciado pela moderna imprensa, estaria mesmo
por vir? Com a palavra, os “profetas” da FUNCEME.
Arievaldo Viana
(In 'No tempo da lamparina - Volume II de Memórias)
(In 'No tempo da lamparina - Volume II de Memórias)
História assombrosa e maravilhosa. Cheia de imaginação e criatividade que nos incita a continuar a lendo.
ResponderExcluir