quinta-feira, 6 de outubro de 2011

GLOSAS PERDIDAS

FRAGMENTOS POÉTICOS DE UM MENESTREL ITINERANTE



Poeta sei que sou, porque a genética não faz curvas (a geometria e a gramática, sim), conforme explicou-me pacientemente o saudoso professor Laurismundo Marreiro, após a ingestão de meio litro da famigerada "cabeça seca". Meu bisavô Francisco de Assis – o véi Fitico, fazia testamentos de Judas e compôs também, segundo algumas fontes, a Onça da mão torta e o Boi Vermelhinho, dois cordéis de grande repercussão no limiar do século XX, que circularam somente de forma manuscrita em cadernos de família. O velho era danado… Possuía uma pequena, porém ótima biblioteca com livros editados no Brasil, Portugal e até Alemanha.

Foi seminarista no famoso Seminário da Prainha, devoto de Padre Cícero Romão e protetor do Padre Azarias Sobreira, o melhor e mais fidedigno biógrafo do padre do Joaseiro. Quando Azarias era apenas um meninote, passou adoentado por Quixeramobim e recebeu sua acolhida durante meses, até recuperar-se e poder viajar para o Seminário, pois era esse o seu itinerário. Minha avó era leitora contumaz dos clássicos do cordel e papai um apaixonado por cantoria que não aventurou-se pelo mundo com uma viola às costas porque a família (meu avô, principalmente) não foi de acordo. Mas adquiriu um vasto cabedal de livros e folhetos que decorava com grande facilidade e lia ou declamava para os filhos sempre que tinha tempo. Dois de meus irmãos também sabem fazer versos com grande facilidade, são eles Klévisson e Itamar.

É por isso que me pego fazendo versos no meio da noite, quando bate a insônia, ou mesmo no interior dos ônibus quando viajo para o sertão. Raramente empreendo uma viagem sem uma caneta e um pedaço de papel, pois às vezes surge o esboço de um poema, o rascunho ainda bruto de um novo cordel que irei trabalhar em seguida, então faço as anotações básicas para retornar ao tema mais adiante. E, modéstia a parte, não tenho preguiça de poetar... diariamente faço dezenas de estrofes em blogs, e-mails para amigos e até propaganda de laxante, se for o caso.
Também gosto de ‘esquecer’ folhetos de cordéis nos transportes coletivos. Pode ser que uma criança ache, goste e se torne um bom leitor. É um trabalho meio quixotesco, de formiguinha, mas que me dá um grande prazer. Eis algumas produções esparsas que encontrei numa velha caderneta e resolvi passar a limpo:

A MÃE DA BEZERRA DE MENEZES


Um sábio muito profundo
Me disse umas quatro vezes
Que o bicho maior do mundo
A mais bonita das reses
Que nesse mundo se viu
Foi a vaca que pariu
A Bezerra de Meneses.


DA SÉRIE ‘É TUDO UMA COISA SÓ’


Ariano Suassuna
Cancão, João Grilo, Chicó,
Astúcias de Malazartes
João Leso e João Arigó,
Trupezupe e Canhotinho
Falando de Amarelinho
É tudo uma coisa só.


Tabajara, Janduhy,
Gê, Xavante e Pataxó
Kariris e Kanindés,
Botocudo e Carijó,
Tapebas e Tremembés
Krejês e Kantarurés
É tudo uma coisa só.


Ruela, boga e foquite
Anel de sola e bozó
Forébis, bichim que apita,
Carretel e fiofó
Roscófi, ânus, furico,
Buraco véi que faz bico
É tudo uma coisa só.


Macumba, feitiçaria,
Da “Nêga dum peito só”
As artes da pulutrica
O poder do Catimbó
Os segredos da magia
Raulzito já dizia
É tudo uma coisa só.

Um comentário:

  1. Da série, 'é tudo uma coisa só'.

    ARIEVALDO VIANA
    SERÁPHIA E BROGODÓ,
    CÔCO VERDE E MELANCIA
    LÚCIFER E CÃO COTÓ.
    O KLÉVISSON, QUE FAZ FOLIA,
    ROUXINOL E ZÉ MARIA,
    É TUDO UMA COISA SÓ.

    VIRGULINO, LAMPIÃO,
    JESUÍNO NÃO ESTÁ SÓ,
    JARARACA E COLCHETE,
    FICARAM EM MOSSORÓ.
    CORISCO, DADÁ, MARIA,
    SARACURA, VENTANIA,
    É TUDO UMA COISA SÓ.

    LUIZ, O REI DO BAIÃO,
    JACKSON DO PANDEIRO, Ó!
    JOÃO DO VALE, CAMARÃO,
    DOMINGUINHOS E CHICÓ.
    ABDIAS E MARINÊS,
    CANTAVAM COM VOZ E VEZ,
    É TUDO UMA COISA SÓ.
    (Kydelmir Dantas - Nova Floresta-PB / Mossoró-RN)

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