“LOS INDIOS TABAJARAS”
Dois tapuias cearenses que conquistaram o mundo
O Ceará sempre teve bons instrumentistas. De Nonato Luis a Vilamar Damasceno, de Manassés a Macaúba, de Cirino a Luzirene do Cavaquinho, sempre tivemos artistas que se projetaram dedilhando instrumentos de corda, mas nenhuma história se compara a dos índios Mussaperê e Herundy, dois remanescentes da nação Tabajara, nascidos em Tianguá, que apesar de serem ilustres desconhecidos em seu Estado natal, projetaram-se no mundo inteiro como virtuoses do violão, chegando a se apresentar nos maiores teatros da América do Norte e da Europa, além de terem gravado dezenas de discos pela RCA norte-americana. No site da gravadora “Revivendo”, responsável pelo relançamento de alguns de seus discos (através do selo Again) encontramos esse texto que serviu como base para produção de uma biografia em CORDEL, narrando a fantástica saga de “Los Índios Tabajaras”. Essa biografia em versos deverá ser lançada ainda este ano.
“A trajetória dos Índios Tabajaras dificilmente encontrará paralelo com qualquer outra, vindo de onde vieram e alcançando, no chamado mundo civilizado, o que alcançaram. Tudo pareceria a criação de um delirante ficcionista, não fosse a mais concreta realidade.
Primeiro, por suas origens. São índios brasileiros autênticos, da raça tupi-tabajara, nascidos na remota e agreste serra de Ibiapaba, dentro do então isolado município cearense de Tianguá, na divisa com o Piauí.
Primeiro, por suas origens. São índios brasileiros autênticos, da raça tupi-tabajara, nascidos na remota e agreste serra de Ibiapaba, dentro do então isolado município cearense de Tianguá, na divisa com o Piauí.
Na língua tupi, receberam os nomes de Mussaperê e Herundy, que significam O Terceiro e O Quarto, pois estavam nessa ordem de nascimento dos filhos do cacique Ubajara, ou Senhor das Águas, ao todo trinta e quatro irmãos.
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A FANTÁSTICA TRAJETÓRIA DE
‘LOS INDIOS TABAJARAS’
Os cearenses que conquistaram o mundo
Autor: Arievaldo Viana
Brisa que sopra na serra
Onde cantam as águas claras
Que descem num véu de noiva
Banhando as lindas Iaras
Dai-me rimas pra contar
A vida dos TABAJARAS.
Nos contrafortes da serra
E no topo da Ibiapaba
A brava Nação Indígena
Ali ergueu sua taba
O índio via a fartura
Dentro de sua igaçaba.
Viçosa, Guaraciaba,
São Benedito, Ubajara,
A linda bica do Ipu
Com sua beleza rara,
Frecheirinha e Tianguá
São da Nação Tabajara.
Veio o colonizador
Com seu instinto cruel
Se espalhou rapidamente
Como abelha no vergel
E fez jorrar muito sangue
Aonde jorrava mel.
Dessa tribo de guerreiros
Descende a Índia Iracema
A musa de Alencar
Heroína do poema
Anagrama de América
Do cearense um emblema.
Porém a história que
Pretendo agora narrar
É tão inacreditável
Que alguém pode duvidar
Dois curumins que partiram
Para o mundo conquistar.
São “Los Índios Tabajaras”
Ilustres desconhecidos
Na sua pátria natal
Não foram muito queridos;
Porém conquistaram o mundo
E foram reconhecidos.
Seus nomes: Muissaperê
E Herundy, seu irmão,
Filhos de um bravo cacique
O último desta Nação
Dos Tabajaras famosos
Tianguá foi seu torrão.
No início do século XX
Nasceram estes meninos
Tiveram muitos irmãos
Sofreram mil desatinos
Porém Tupã já traçara
Pra eles belos destinos.
Preciso agora explicar
Preciso agora explicar
Os nomes deles aqui
No meio de sua gente
Mussaperê e Herundy
Quer dizer: Terceiro e Quarto
No dialeto Tupi.
Os nomes eram por causa
Os nomes eram por causa
Da ordem de nascimento
Foram 34 irmãos
Eu li num apontamento
Muita gente batalhando
Para obter seu sustento.
Certo dia uma milícia
Na sua tribo chegou
E o tenente Hildebrando
Moreira Lima os levou
De lá para o Cariri
Numa reserva os botou.
Pelo tenente Hildebrando
Foram todos bem tratados
E os filhos do Cacique
Foram todos registrados
Inclusive, alguns deles,
Foram alfabetizados.
Com o nome de Natalício
Herundy foi registrado
E também Mussaperê
Teve o seu nome alterado
Antenor Moreira Lima
Passou logo a ser chamado.
Porém o sangue tupi
Corria nas suas veias
E não quiseram ficar
Retidos nessas aldeias
As terras que foram suas
Agora eram alheias.
Seu desejo era chegar
Lá no Rio de Janeiro
E então percorreram a pé
Quase o Nordeste inteiro
Buscando a sobrevivência
Vagando sem paradeiro.
Partiram em trinta e três
Os pais e quatorze filhos
Cruzaram muitas estradas
Vencendo mil empecilhos
Mas sempre visando o Rio
Sem jamais sair dos trilhos.
Numa feira nordestina
Compraram um violão
E aprenderam sozinhos
A tocar uma canção
Mas tiveram que trocá-lo
Por u’a cuia de feijão!
Finalmente eles chegaram
Na capital Salvador
No Estado da Bahia
E ali o Governador
Lhes deu passagens e foram
Ver o Cristo Redentor.
Chegaram em trinta e sete
Lá no Rio de Janeiro
Após percorrerem todo
O nordeste brasileiro
A pé, com longas paradas
Mas sem perder o roteiro.
Almirante Jaceguai
Era o nome do navio
Nele seguiu a família
Exposta ao vento e ao frio
Até que certa manhã
Eles chegaram no Rio.
No Albergue Leão XIII
Conseguiram se abrigar
Porque a sua odisséia
Foi mesmo de admirar
Saiu longa reportagem
Em um jornal popular.
Deslumbrados com a cidade
Falando um mal português
Vestindo roupas de branco
E assustados, talvez,
Se apresentavam nas praças
Esperando a sua vez.
Eles tocavam de ouvido
A viola e o violão
E encantavam platéias
A cada apresentação
Mas negavam sua origem
Com medo de repressão.
Porém o aspecto físico
Da dupla denunciava
Sem falar no seu sotaque
Que também atrapalhava
É que alguém, por maldade,
Aos índios amedrontava.
Dissera alguém que no Rio
Tivessem muito cuidado
Se o Governo descobrisse
Sua origem ou seu estado
Seriam mortos ou presos
Eis o engodo formado.
Mas com o tempo a dupla
Começou desconfiar
Que aquilo era mentira
E começou a pensar
Numa emissora de rádio
Para se apresentar.
Para se apresentar.
Chefe Tabajara
TRECHOS DA BIOGRAFIA PUBLICADA
NO SITE DA GRAVADORA REVIVENDO:
"Passam a atuar também nos cassinos da Urca e da Pampulha, em Belo Horizonte. Em
1944, vão a São Paulo para, em seguida, empreenderem uma longa temporada por
toda a América Latina, que se estenderá até 1949. Começam pela Argentina, onde
o sucesso foi grande e depois rumam para o Chile, Peru, Equador, Colômbia,
Venezuela, Cuba e México. Às vezes só ganhavam o suficiente para a alimentação
e o prosseguimento da viajem.
Mussaperê já vinha se interessando pelos autores clássicos: Beethoven, Bach,
Litzt, Mozart e outros grandes mestres. Quando chegam ao México ainda só sabiam
tocar de ouvido, sem nenhum conhecimento teórico musical. Num espetáculo, são
apresentados pelo ator mexicano Ricardo Montalbán como "analfabetos
musicais", um modo peculiar encontrado para dizer que, apesar disso,
tocavam bem, mas que os acabou instigando a aprender música.
Mussaperê volta para Caracas e toma lições com Francisco Christancho, maestro
da sinfônica da capital venezuelana, e prossegue seus estudos no Brasil.
Herundy, por sua vez, volta a Buenos Aires, onde compra uma casa, e também
passa a se dedicar ao estudo da música e do canto.
EUROPA
Dois anos depois, reúnem-se novamente e partem para uma excursão à Europa. A
música clássica passa então a predominar em seu repertório. Tornam-se
respeitados em vários países como intérpretes de Tchaikovsky, Sibelius, Targa,
Falla, Villa-Lobos, Chopin e outros. As adaptações instrumentais são feitas por
Mussaperê, que as passa para o irmão. Incluem também em seus espetáculos
músicas folclóricas européias, cantando-as nos diversos idiomas, sempre com os
maiores aplausos do público e a melhor crítica, a ponto de terem a agenda tão
cheia de compromissos que têm de recusar muitos convites.
Foi uma demorada excursão que terminaria em Madri, onde o êxito não foi menor.
No retorno ao Brasil, no entanto, sentiram que não passavam de uns ilustres
desconhecidos e que a música que faziam não correspondia ao interesse das
gravadoras e das emissoras. É quando fazem três discos na gravadora
Continental, lançados em 1953/54: Tambor Índio/Acara Cary (16.869), Pássaro
Campana/Fiesta Linda (16.913) e Te Besaré/Te Quiero Mucho Más (16.972).
AMÉRICA
Cientes de que santo de casa não faz milagre, como diz o ditado, partem, em
1954, para uma nova excursão pelo exterior, a fim de se exibirem inicialmente
no Rádio City de Nova Iorque, precedida de uma pequena temporada em Cuba.
Gravam, em 1957, na RCA Victor americana, um Lp. chamado Sweet and Savage (Doce
e Selvagem), no qual incluem o bolero Maria Helena, de Lorenzo Barcelata,
melodias brasileiras e outros standars latinos, que todavia passa despercebido.
Voltam ao Brasil, encetando nova tentativa de penetrar no mundo artístico de
sua terra. Não obtendo a mesma aceitação do exterior, resolvem encerrar as
atividades artísticas. Como as economias feitas, efetuam a compra de uma
propriedade rural na localidade de Araruama, distante cerca de cem quilômetros
do Rio de Janeiro, com mais da metade da área coberta por mata virgem. Com a
maioria dos trinta e quatro irmãos, fazem da agricultura seu novo meio de
existência, procurando reproduzir a vida tribal de sua infância no contato com
a natureza.
O RETORNO
Estavam nessa vida anônima e calma, quando a mão do destino começou a agir. No
verão de 1963, um produtor da Rádio WNEW, de Nova Iorque, para fazer o fundo
musical de um programa humorístico, procura na discoteca da emissora uma música
instrumental qualquer. Experimenta daqui e dali e, por acaso, puxa da
prateleira justamente o Lp. Sweet and Savage, encontrando logo na primeira
faixa em Maria Helena, o que estava querendo.
Assim, diariamente, o fox Maria Helena foi sendo tocado nesse programa de grande
audiência. Não tardaria muito para que muitos ouvintes fossem se encantando e
passassem a indagar quem eram aqueles grandes instrumentistas e como poderiam
adquirir o disco.
Esses pedidos eram encaminhados à R.C.A. Victor, que, dado o volume das cartas,
mandou editar um compacto simples, que, para sua surpresa, começou a ser
vendido em todos os Estados Unidos em números impressionantes, a ponto de
alcançar o 4º lugar no hit parade! Daí para o relançamento do Sweet and Savage,
aquele de 1957, foi um passo. Resultado: 2º lugar entre os estéreos e 4º lugar
entre os monos no ano de 1963!
Os executivos da R.C.A. Victor, diante de fatos tão inacreditáveis,
comunicaram-se com sua filial do Rio de Janeiro, com a ordem expressa de que
aqueles índios fossem localizados e embarcados imediatamente para Nova Iorque,
pois queriam produzir com eles novos discos.
Encontrá-los, porém não foi nada fácil. Ninguém sabia onde tinham se escondido.
Por fim, são encontrados no seu retirado sítio de Araruama, às margens da lagoa
do mesmo nome.
- Pensávamos que fosse brincadeira. Só acreditamos mesmo quando recebemos a
passagem de ida-e-volta e ajuda de custo para seguir com destino a Nova Iorque
com tudo pago...Ficamos hospedados nos melhores hotéis e só não gostamos mesmo
foi do tal caviar servido todos os dias - contava Mussaperê.
Em apenas trinta e seis dias, gravam em Nova Iorque dois Lps. e dois compactos,
com destaque especial para Moonlight and Shadows, Solamente Una Vez e Always In
My Heart, tendo esta última vendido rapidamente 200 mil cópias e ido para o 3º
lugar nas paradas.
Os convites para se apresentarem por todos os Estados Unidos não cessam de
chegar, assim como para a Europa e o Japão, onde também se tornam ídolos. Em
muitos concertos são acompanhados por orquestras filarmônicas. No início dos
anos 70, já estão com 48 Lps. gravados e oito milhões de cópias vendidas.
Tudo parece mesmo criação de algum delirante ficcionista, mas é a vida real e
fantástica de dois pobres índios, que de uma aldeia perdida numa serra
brasileira, um dia iniciaram sua jornada, rumo ao sucesso internacional,
caminhando a pé."
O texto acima não representa a biografia completa do artista, mas sim, partes
importantes de sua vida e carreira.
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