O IMPOSTO NA LITERATURA DE CORDEL
Dizem que o povo brasileiro é alienado, que não protesta ante a terrível carga tributária que o oprime. Milhões se reúnem nas ruas para brincar carnaval, torcer pela seleção ou mesmo participar da Parada Gay (por favor não pensem que se trata de homofobia, estou apenas ressaltando que essa manifestação consegue reunir milhões de cidadãos e cidadãs brasileir@s em torno de uma causa), mas ninguém vai às ruas protestar contra os impostos abusivos e, pior ainda, ninguém está interessado em saber o destino desse dinheiro que deveria retornar em forma de benefícios para o povo, mas que na verdade acaba sendo desviado, na maioria das vezes, por políticos desonestos e inescrupulosos.
Na opinião da socióloga Lúcia Luiz Pinto (Revista de História da BN, agosto de 2007), “o povo não entende a quantidade de impostos que paga. Nem tem conhecimento pleno de que, quando compra cachaça, roupa, comida, esses produtos estão lotados de impostos. Ao contrário do que se diz, não existe uma população à margem da economia. Mesmo o mendigo, a criança de rua, compram seus cigarros, sua comida, e, portanto, pagam impostos.”
Enquanto isso, os ricos vão ficando cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres e a tal da classe média baixa é quem termina pagando o pato. No início do século passado, ainda na chamada República Velha, o poeta popular Leandro Gomes de Barros, ainda hoje considerado o maior expoente da literatura de cordel no Brasil, fez inúmeros folhetos, que eram verdadeiros libelos contra os abusos do governo e o arrocho fiscal em cima das camadas mais pobres da população. Folhetos como “O imposto de honra”, “A mulher e o imposto”, e “O povo na cruz” demonstram a indignação e a clarividência deste porta-voz das massas nordestinas. Graças ao esforço da professora Ivone Maya e sua equipe, os folhetos do grande menestrel paraibano, pertencentes à coleção da Casa de Rui Barbosa, encontram-se digitalizados para consulta na internet www.casaderuibarbosa.gov.br/cordel
O POVO NA CRUZ
(trechos)
Alerta, Brasil, alerta!
Desperta o sono pesado,
Abre os olhos que verás
Teu povo sacrificado
Entre peste, fome e guerra
De tudo sobressaltado.
O brasileiro hoje em dia
Luta até para morrer,
Porque depois dele morto
Tudo nele quer roer,
De forma que até a terra
Não acha mais que comer.
A fome come-lhe a carne
O trabalho gasta o braço
Depois o governo pega-o
Há de o partir a compasso
Estado, alfândega, intendência.
Cada um tira um pedaço.
O médico cobra a receita
O boticário a meizinha,
O juiz confisca logo
Alguns bens, se acaso tinha,
Inda ficando uma parte
Diz a Intendência: - É minha!
Assim morre o brasileiro
Como bode exposto à chuva,
Tem por direito o imposto
E a palmatória por luva
Família só herda dele
Nome de órfão e viúva.
(O povo na cruz)
Ilustração: Arievaldo / Klévisson Viana
PADRE NOSSO DO IMPOSTO
Autor: Leandro Gomes de Barros
Nunca se viu tanto imposto
Num país como esse nosso
Cobra-se até de quem reza
Padre Nosso.
Nos falta calçado e roupa
Quem compra mais um chapéu?
Acode-nos, pai da pobreza
Que estás no céu.
Olhe que o pobre matuto
Que vê o milho encostado,
Não pode guardar nem um dia
Santificado.
Carne fresca e toucinho
O pobre matuto não come,
Ainda que, o que ele implore
Seja o vosso nome.
Meu Deus! Temos esperança
Só no socorro de vós,
Fazei que um bom inverno
Venha a nós.
De rato, lagarta e formiga
Vos pedimos, defendei-nos
Imploramos todos os dias
Ao vosso reino.
Livrai-nos que contra nós
Caia a ira do prefeito
E o mercado da cidade
Seja feito.
Fazei que caia o imposto
Da municipalidade
Mas, queira Deus eles façam
A vossa vontade.
O estado nos oprime,
O município faz guerra,
Nunca se viu tanto imposto
Assim na terra.
Queixa-se o povo em geral
Que vive como tetéu
E o governo vive aqui
Como no céu...
Os deputados da Câmara
Conservam-se com grande “roço”
Por terem por honorários
O pão nosso.
Quando querem nossos votos
Nos tratam com cortesia
Os impostos aumentando
De cada dia.
O dinheiro do tesouro
Some-se como quem foge,
A fortuna dos prefeitos
Nos dai hoje!
Destes impostos d’agora
Por caridade livrai-nos
As censuras que fizemos
Perdoai-nos.
Não temos mais o que fazer
As cousas vão tão insípidas!
Que não podemos pagar
As nossas dívidas.
Impostos por toda forma
O governo nos traz atroz
Deus queira que ele fique
Assim como nós.
O procurador nos cobra
Nós tão pobres nos vexamos
Mas quando ele nos deve
O perdoamos.
Os do governo se unem
Fazem como vós, com os vossos.
É preciso que vós auxilies
Aos nossos.
O governo nunca deu
Ouvido aos nossos clamores
Aceita queixas dos nossos
Devedores.
Por qualquer coisa nos multam
Só para nos perseguir
Nas unhas desses tiranos
Não nos deixeis cair.
O preço baixo da farinha
Nos faz grande confusão
Faz o agricultor cair
Em tentação.
Escutai nossos clamores
Nas aflições amparai-nos
E desses fiscais carniceiros
Livrai-nos.
Seja vós o protetor
Que nos sirva de fanal
Defendei-nos dos impostos
E do mal.
Permiti que o inverno
Venha cedo e chova bem
Livrai-nos de todas as multas
Amém.
Ofereço esse Padre-Nosso
Aos prefeitos do Estado,
Para que nas eleições
Cada um seja votado,
Adiante o município
E cada qual fique arrumado.
Atualíssimo, esse "Padre Nosso do Imposto". Tudo que fala sobre prefeitos e congêneres está acontecendo no mesmo calibre. O poeta foi genial em apoiar-se no Padre Nosso, uma vez que o dízimo é também uma forma de imposto à fé do católico. Não concordo em terem adotado o "rei dos animais" como o símbolo do IR. Esse abuso do governo contra o cidadão devia ter o nome de algum político corrupto. Não seria difícil encontrar.
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