sexta-feira, 29 de abril de 2011

PELEJA DE PINTO COM MILANÊS

MESTRES DO CORDEL – II

SEVERINO MILANÊS DA SILVA

Um dos poetas que eu mais lia e gostava na minha infância era Severino Milanês da Silva. Li a sua célebre peleja com Severino Pinto (totalmente escrita por Milanês), li "O príncipe do Barro Branco", "Romance das 3 princesas encantadas", "O príncipe Guidon e o Cisne Branco", enfim, sempre fui admirador desse vate sertanejo pela riqueza de imagens que utiliza na descrição dos cenários e dos personagens. Não era muito cuidadoso com a geografia nem com a história. Frequentemente usava da "licença poética" para compor seus romances, que às vezes beiram o surrealismo. Deve ter sido leitor assíduo do livro "O mártir do Gólgota", do espanhol Enrique Pérez Scrich, pois frequentemente fala da Palestina com a mesma graça e beleza... Confesso que quando vi as primeiras fotos da terra de Nosso Senhor Jesus Cristo fiquei deveras decepcionado, pois na descrição de Scrich e Milanês é o cenário mais bonito do mundo:

O Reino do Barro Branco
É detrás de uma colina
Cercado por quatro rios
De água potável e fina
Fica nos confins da Ásia
Bem perto da Palestina.

O Príncipe do Barro Branco, por ser um dos clássicos mais
procurados da Literatura de Cordel, foi reescrito por
Manoel Pereira Sobrinho, para editora Prelúdio, de São Paulo

Hoje resolvi prestar uma homenagem ao grande Milanês. Para tanto, iremos reproduzir a sua biografia, escrita por Roberto Benjamin e parte da "Peleja de Severino Pinto com Severino Milanês".

A.V.
BIOGRAFIA
Por Roberto Benjamin

Severino Milanês da Silva, pernambucano de Bezerros (18 de maio de 1906 - Vitória de Santo Antão, 1956/1967) tanto era bom no improviso da cantoria, quanto nos romances, e  alguns deles ficaram imortalizados na memória popular, visto sua predileção pelas histórias de amor e de príncipes e princesas de reinos imaginários.
Entre suas obras estão o Romance do príncipe Guidon e o cisne branco; Gilvan e Ricardina no Reino das Violetas, O príncipe do Barro Branco e a princesa do Reino do Va- Não-Torna; As três princesas encantadas; História do príncipe do Limo Verde e a princesa Ivanete etc.
Nesse ponto, teve influência direta de Leandro Gomes de Barros, herdeiro e recriador do acervo tradicional europeu, que nos chegou da Península Ibérica pela voz dos colonizadores.
Sua produção é bastante diversificada. É autor do Forte Pernambucano, escrito na década de 40, um marco, gênero de poema mais longo realizado pelos poetas de gabinete, isto é, por aqueles que só escreviam e em geral não eram cantadores, ampliando ainda mais seu campo de ação, já que possuía fama de grande repentista e glosador.
Arsenal de guerra
Átila de Almeida e José Alves Sobrinho, organizadores do volume Marcos e vantagens 1 - Romanceiro popular nordestino, afirmam que Milanez teria se referido nesse poema a uma aparelhagem bélica utilizada na Segunda Guerra Mundial.
Apesar dessa atualidade cronológica, do ponto de vista da forma, Milanez ateve-se aos mesmos princípios adotados por seus predecessores na feitura do marco: construir um arsenal de guerra para vencer o rival, cantador como ele, que ousasse se aproximar da obra feita, e que aparece nos versos sob a forma de castelos, fortificações, muralhas etc.
Além disso, consagrou-se no gosto popular com a Peleja de Pinto com Milanez, travada entre ele e outro poeta igual na sina e no nome Severino Lourenço da Silva Pinto, mais conhecido como Pinto do Monteiro, sua ribeira natal e que se tornou peça obrigatória do repertório de qualquer repentista nordestino daí pra frente.
Na Antologia ilustrada dos cantadores, Otacílio Batista e Francisco Linhares referem-se a Monteiro como um gênio do improviso. Mas o duelo não teve vencedores, porque Milanez também compartilhava a mesma fama.

Outras obras de Severino Milanês:
  • Estória de Rosa e Maximiano;
  • História de dois amigos – Joãozinho e Nequinho;
  • História de Ubirajara e o índio Pojucan;
  • História de Valentão do mundo;
  • Romance de Noêmia e Luís;
  • Romance do príncipe Guidon e o cisne branco;
  • Romance de Amédio e Lucinda;
  • O valor do dinheiro e a beleza da mulher;
  • O rapaz que mamou na onça.


Referências bibliográficas
▪ ALMEIDA, Átila; ALVES SOBRINHO, José. Marcos e vantagens 1: Romanceiro popular nordestino. Campina Grande: Universidade Federal da Paraíba/Universidade do Nordeste,1981.
▪ BATISTA, Otacílio; LINHARES, Francisco. Antologia ilustrada dos cantadores. Edição da Universidade Federal do Ceará, 1982.
▪ BAPTISTA, Francisco Chagas. Cantadores e poetas populares. Paraíba: F.C. Baptista Irmão, 1929.
▪ ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Verbete Pinto de Monteiro. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin, 2002.

Folheto editado em Juazeiro do Norte-CE, na Tipografia São Francisco

TRECHOS DA PELEJA COM SEVERINO PINTO

Peleja de Pinto com Milanês
Autor: Severino Milanês da Silva

Milanês estava cantando
em vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.

M - Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro

P - mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo

M - Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que agüente

P - Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.

M - Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído

P - Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama

M - Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a feguezia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia

P - Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não torna chegada

M - O pinto que eu pegar
pélo logo e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto

P - No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço

M - No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente

P - Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta

M - Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha

(...)

- Severino Milanês,  Peleja de Pinto com Milanês
 
História de Valentão do Mundo

(Trechos)

Valentão do Mundo é
Conhecido na história
Venceu e não foi vencido
Guardou consigo esta glória
Em toda luta trazia
O triunfo da vitória.

(...)

Valentão do Mundo um dia
Deixou a camaradagem
Para caçar numa serra
Arrumou sua bagagem
Muniu-se de boas armas
Seguiu a sua viagem.

Muitos dias viajou
Quando chegou numa fonte
Sentou-se pra descansar
Contemplou o horizonte
Sorriu em ver as belezas
Do panorama do monte.

O vento embalava as árvores
Os passarinhos trinavam
A brisa açoitava a relva
E as abelhas sugavam
E as flores das baunilhas
Os seus prados perfumavam.

As folhas se agitavam
Os rochedos estremeciam
As cobras soltavam silvos
E as panteras se erguiam
Os cedros baixavam os ramos
E os leões bravos rugiam.

As águas se deslizavam
Na queda das cachoeiras
As serpentes furiosas
Pulavam nas ribanceiras
Os tufões baixavam fortes
Na folhagem das palmeiras.

Tinha desenho nas pedras
Que parecia turquesa
Rochedos escarpados e lindos
Feitos pela natureza
Igual a praça de guerra
Da mais alta realeza.

Então Valentão do Mundo
Com isto não se importava
Nem o coração batia
Nem o sangue lhe faltava
Nem a matéria tremia
Nem isto lhe amedrontava.

(...)

Contracapa do folheto 'Peleja de Severino Pinto com Severino Milanês'

5 comentários:

  1. Gostei Muito do Site. Me ajudou em uma pesquisa sobre as cidades que tem como bacia hidrografica o rio capibaribe.... e sua cultura

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  2. Voces podiam contar como e a historia ficaria mais interessante

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  3. Amei esse blog, assim pude ver e conhecer as obras de Severino Milanês, lembrar um pouco do passado da minha família e relembrar as antigas historia que meu pai contava sobre ele, já que por vez Milanês é tio do meu pai.

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  4. se voce tiver algum cordel, folhetos etc... de Milanês poderia me comunicar ou me informar onde posso encontrar para comprar?

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  5. Olá ANÔNIMO sobrinho-neto de Severino Milanês da Silva. Dispomos de alguns folhetos raros do poeta em nosso estoque, como a PELEJA DE PINTO COM MILANÊS e O PRINCIPE DO BARRO BRANCO, editadas pela ABLC. Entre em contato por este e-mail: acordacordel@ig.com.br

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