quinta-feira, 27 de setembro de 2018

ENTREVISTA

HISTÓRIA E POLÍTICA 
NOS FOLHETOS DE CORDEL




Numa entrevista de apenas meia hora, no programa CAFÉ COM DEMOCRACIA, na Web Rádio Atitude Popular, traçamos um panorama da Literatura de Cordel desde as primeiras décadas do Século XIX e o seu envolvimento com a sátira política e também como fonte documental da história. Confiram no Youtube, através deste link:




Folhetos recentes tratam do GOLPE e do (des)Governo de Michel Temer



segunda-feira, 24 de setembro de 2018

UMA VIAGEM AO CÉU



Ilustração: JÔ OLIVEIRA

Há cem anos, Leandro Gomes de Barros empreendia uma viagem ao céu

Arievaldo Vianna



Perguntei-lhe: - Alma, quem és?
Disse ela: - Tua amiga,
Vim te dizer que te mude
Aqui não dá nem intriga
Quer ir para o Céu comigo?
Lá é que se bota barriga!

Eu lá subi com a alma
Num automóvel de vento
Então a alma mostrou-me
Todo aquele movimento,
As maravilhas mais lindas
Que existem no firmamento.
(Uma viagem ao Céu – Leandro Gomes de Barros)

1. Centenário de morte de Leandro

No dia 04 de março de 1918 falecia no Recife, na rua Passos da Pátria, aquele que é considerado o pai do Cordel Brasileiro, o paraibano Leandro Gomes de Barros, nascido na fazenda Melancia (então município de Pombal-PB) aos 19 de novembro de 1865. Responsável pela transição da poesia oral para o formato impresso, autor e editor de uma obra copiosa e de alto nível, Leandro era considerado, já à sua época, “o primeiro sem segundo” no reino da poética sertaneja. Outros poetas chegaram a publicar antes de Leandro, dentre os quais o também paraibano Silvino Pirauá de Lima e o potiguar João Sant’Anna de Maria, o Santaninha, que já é citado por Sílvio Romero, em 1880, como autor de folhetos de poesia popular. Porém nenhum desses teve a projeção do poeta de Pombal, o que mais contribuiu para fixar as regras desse gênero literário e a sua identidade visual.

2 .  Fundador de um gênero literário

A literatura de cordel brasileira surgiu de maneira tardia, porque antes da vinda da Corte Portuguesa, em 1808, era proibida a existência de prelos aqui no Brasil. A poesia popular oral ou manuscrita, que já existia desde os tempos de Agostinho Nunes da Costa, Hugolino do Sabugi, Inácio da Catingueira e Romano da Mãe D'água, só viria a se servir dos tipos móveis quando o poeta Leandro Gomes de Barros se mudou da Vila do Teixeira, na Paraíba, para Vitória de Santo Antão (PE), e passou a editar os primeiros folhetos nas tipografias de Recife. No Ceará, ainda no século XIX, tivemos o exemplo do já citado Santaninha e também do Padre Alexandre Cerbelon Verdeixa e do célebre Juvenal Galeno, que sob o pseudônimo de Silvanus chegou a publicar alguns folhetos de poesia popular. Entretanto não era uma atividade sistemática e sequenciada como a empreendida por Leandro, que criou família numerosa unicamente com a renda advinda de sua produção poética.
Por sua grande contribuição, é considerado o “fundador” da poesia popular no Brasil e o mais importante poeta de seu tempo, conforme o testemunho do seu contemporâneo Francisco das Chagas Batista. É também autor de dois folhetos, dos três que serviram de inspiração para Ariano Suassuna compor O Auto da Compadecida. São eles: O Dinheiro - O testamento do cachorro -, de 1909, e O Cavalo que Defecava Dinheiro.



Ilustração: Jô Oliveira


3. Retalhos da infância de Leandro

Leandro ficou órfão de pai aos sete anos, e mudou-se para a Vila do Teixeira (PB), na companhia de seu tio materno, padre Vicente Xavier de Farias, que ajudou a criá-lo. Deixou a companhia deste ainda na adolescência, por se considerar vítima de maus-tratos. A Vila do Teixeira era o berço dos grandes cantadores do passado - pioneiros do gênero - como Francisco Romano Caluête (o temido Romano da Mãe D'água ou Romano do Teixeira, que travou peleja com Inácio da Catingueira), e do famoso glosador Agostinho Nunes da Costa, pai de Ugolino e Nicandro Nunes da Costa, tidos como os melhores cantadores de seu tempo.
Informa-nos o escritor Pedro Nunes Filho, autor de Guerreiro Togado, que o Padre Vicente, além de vigário da Vila do Teixeira, era também professor de latim e humanidades, o que no passado chamava-se padre-mestre, tendo sido, provavelmente, o responsável pela educação daquele garoto, que cedo revelou os seus pendores para a literatura.
Após deixar o Teixeira, por volta de 1880, mudou-se para Pernambuco, fixando-se inicialmente em Vitória de Santo Antão (PE). Após uma curta permanência em Vitória, Leandro mudou-se para Jaboatão, onde casou-se com dona Venustiniana Eulália de Sousa (que se tornou "de Barros"), com quem teve quatro filhos, segundo informa a pesquisadora Ruth Brito Lemos Terra em sua obra Memórias de Lutas: Literatura de Folhetos do Nordeste - 1893 - 1930. Os filhos de Leandro eram Rachel Aleixo de Barros Lima (que se casou em 1917 com o escritor Pedro Batista, irmão do também poeta Francisco das Chagas Batista), Herodias (Didi), Julieta e Esaú Elóy. Este último seguiu a carreira militar, tendo participado da Revolução de 1924 e da Coluna Prestes.

4. A “indústria” do Cordel
Onde situam-se os pontos de confluência entre a velha literatura ibérica das folhas volantes, pliegos sueltos e folhetos de cordel com o Romanceiro Popular Brasileiro? Luís da Câmara Cascudo, em 'Cinco livros do povo', fornece boas pistas, mostrando antigas matrizes utilizadas pelos nossos poetas de bancada nordestinos nos primórdios da Literatura de Cordel. Alguns textos encontram-se em prosa, caso da História de João de Calais, outros em quadras atribuídas ao cego Balthazar Dias, da Ilha da Madeira, dentre os quais a História da Imperatriz Porcina. Um ciclo curioso na chamada literatura de cordel nordestina são as fábulas (Casamento e divórcio da lagartixa, A intriga do cachorro com o gato, A festa dos cachorros, A noiva do gato, dentre outros). Parece que suas matrizes mais distantes são os famosos 'testamentos de bichos' importados da Europa pela Livraria Garnier, em meados do século XIX.
Franklin Maxado Nordestino informa que o catálogo de 1811, dos livros importados por Silva Serva, de Salvador-BA, contém toda uma seção intitulada “Papéis pertencentes a notícias, proclamações, e tudo quanto pertence às Guerras, Tragédias e Novelas, tudo em brochura”, muitos dos quais eram folhetos, ou de histórias tradicionais como 'História de Roberto do Diabo' ou de assuntos mais atuais, como a 'Entrada de Napoleão no inferno'. E os folhetos portugueses, conhecidos como 'Literatura de Cego', depois que um decreto de 1779 reservou a sua venda à ambulantes cegos  continuavam a ser importados, segundo Maxado, pela Livraria Garnier, em meados do Século XIX. (Maxado, Franklin  O que é Cordel? Editora Queima-Bucha, 2ª. Edição)
Laurence Hallewell, autor de O livro no Brasil: sua história (pág. 639) informa que “A primeira impressão no Brasil, das velhas histórias, foi feita pela Impressão Régia, responsável em 1815 pela História da Donzela Teodora, em que se trata de sua grande formosura e sabedoria (30 páginas) e pela História verdadeira da Princesa Magalona, com um retrato da princesa em xilogravura na página de rosto. É perfeitamente razoável que outras gráficas brasileiras antigas tenham preenchido seu tempo ocioso com a impressão desse material tão popular e tão prontamente vendável.”
E de se supor que Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá de Lima, Francisco das Chagas Batista e João Melchiades Ferreira, só para citar alguns dos pioneiros da publicação de histórias rimadas no Nordeste, tenham tido acesso desde a infância à tais publicações, que acabaram se tornando fonte permanente de inspiração para suas obras. Se tais histórias chegaram até aqui em prosa, quadra ou mesmo sextilhas, é um detalhe que, em absoluto elimina a influência ibérica no cordel brasileiro. Paralelo a isso, circulavam por todo o Nordeste obras como A história do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França e O Martir do Gólgotha, do romancista espanhol Enrique Pérez Scrish, que tanto influenciaram os nossos 'cantadores de Ciência' e poetas de bancada do segundo quartel do Século XIX.
Além dos folhetos populares que circularam no Brasil desde o século XVIII, dentre os quais situam-se os já mencionados 'Cinco livros do povo', estudados por Câmara Cascudo, a saber: Donzela Teodora, Princesa Magalona, Imperatriz Porcina, João de Calais e Roberto do Diabo, uns em quadras, outros em prosa, sabe-se que a Livraria Garnier, no Rio de Janeiro e a Livraria do Povo (Pedro Quaresma & Cia.) já apostavam na publicação de algumas historietas rimadas, dentre as quais a Guerra de Canudos, escrita por João de Sousa Cunegundes e uma história da Guerra do Paraguai, em versos, elaborada pelo cearense João de Sant’Anna Maria, o Santaninha, conforme atesta um estudo publicado pelo historiador José Calasans, intitulado “Canudos na literatura de Cordel”.
Entretanto, nada se compara ao tino comercial, ao estro prolífico e a persistência de Leandro Gomes de Barros, que pode ser considerado o verdadeiro fundador da literatura popular em versos no Nordeste Brasileiro. Leandro, que optou por viver unicamente de escrever e vender a sua poesia, conforme atesta Câmara Cascudo, fez com que fossem criados pontos de venda em vários Estados brasileiros, fazendo com que sua produção se espalhasse por todo o país, sobretudo nos estados do Norte-Nordeste. No início do século XX, as distâncias quase intransponíveis deste país continental foram aos poucos se reduzindo com a implantação de uma boa malha ferroviária, além da navegação marítima e fluvial. Quando Leandro faleceu, em 1918, o avião já havia sido largamente utilizado na 1ª Guerra Mundial e o automóvel começava a se popularizar.
Quando Leandro faleceu, a poesia popular impressa já estava consolidada e consistia num negócio bem lucrativo. Além dele, já atuavam com desenvoltura os irmãos Chagas e Pedro Baptista (da Popular Editora) e o iniciante João Martins de Athayde, que viria a se tornar o maior editor do gênero, após adquirir os direitos da obra de Leandro e outros grandes poetas daquela época.


Fabiano Chaves (óleo sobre tela)


5. A morte do poeta

Do mesmo modo que a sua vida, a morte de Leandro também é envolta em lendas e controvérsias. Há pelo menos umas quatro versões para esse fato. O jornalista Permínio Ásfora, em artigo publicado no Diário da Noite do Recife, em 13 de dezembro de 1949, intitulado "Crise no romanceiro popular", diz o seguinte:
“Trechos de sua vida são lembrados ainda hoje. Contam que já morava aqui no Recife quando um senhor de engenho, indignado com um morador, resolveu aplicar neste uma sova de palmatória. (...) Um dia o senhor de engenho é surpreendido por violenta punhalada vibrada pela mesma mão que levara seus bolos. O poeta Leandro aproveita o caso policial, transformando-o em folheto que era um libelo contra o senhor de engenho. Descreve em "O punhal e a palmatória", com calor e simpatia, a inesperada vindita. O chefe de polícia, enfurecido com a literatura de Leandro, manda metê-lo na cadeia. Apesar de folgazão, Leandro era homem de muita vergonha e de muito sentimento. E como naquele já distante ano de 1918 a cadeia constituía uma humilhação, à humilhação da cadeia sucumbiu o grande trovador popular.”
Outros pesquisadores afirmam que Leandro morreu vítima da influenza espanhola, uma gripe mortífera que assolou o Brasil no início do século passado. Egídio de Oliveira Lima, por sua vez, diz que Leandro morreu "de uma enfermidade que o havia atacado uns dez anos antes" (Lima, 1978: 156), e no seu ATESTADO DE ÓBITO consta como causa mortis ANEURISMA.
Cristina da Nóbrega, seguindo pistas fornecidas pelo autor destas linhas, pesquisou nos cartórios do Bairro de São José, no Recife, e localizou o livro onde está assentada a CERTIDÃO DE ÓBITO do grande poeta. Algumas informações curiosas, prestadas por seu filho Esaú Eloy de Barros Lima (quem, por sinal, assina o documento), são bem reveladoras. Ele informa que seu pai tinha 58 anos de idade, e não 53, na data de seu falecimento, o que remete seu nascimento para 1860, ao invés de 1865, data divulgada oficialmente. Diz que Leandro era filho de José Gomes de Barros Lima e Adelaide Gomes de Barros (seu nome de solteira era Adelaide Xavier de Farias). Era comerciante, faleceu na rua Passos da Pátria, bairro de São José, às 9h30 da noite do dia 4 de março de 1918, tendo como causa mortis aneurisma. Nessa data, Rachel Aleixo de Barros Lima, a filha mais velha, tinha 24 anos, Esaú Eloy, o declarante, 17 anos, e as suas irmãs Julieta (na certidão está grafado erroneamente Juvanêta, noutros documentos aparece grafada também a forma Giovaneta) e Herodias eram também menores.
Após a morte de Leandro, seu genro Pedro Batista (irmão de Chagas Batista e esposo de Rachel Aleixo de Barros) continuou editando a obra do sogro em Guarabira (PB), fazendo algumas revisões de linguagem, entre 1918 e 1921. Finalmente em 1921, após desentender-se com o genro, a viúva do poeta, Dona Venustiniana Aleixo de Barros, vendeu seu espólio literário a João Martins de Athayde.

6. Autor de clássicos do gênero

O estilo de Leandro é inconfundível. Ele teve fôlego para transitar em todos os gêneros e modalidades correntes: peleja, romance, gracejo, crítica social, e o fez com maestria. Poucos conseguiram igualar-se. No geral, ninguém o superou até hoje. Dentre as suas obras mais expressivas destacam-se Juvenal e o dragão, Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, A vida de Pedro Cem, A Donzela Teodora, Peleja de Manoel Riachão com o Diabo, O soldado jogador, O cachorro dos mortos, Interragatório de Antônio Silvino, A vida de Cancão de Fogo e seu Testamento, todos considerados verdadeiros clássicos do Cordel.

Arievaldo Vianna
Poeta popular, criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula



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MAXADO, Franklin, O que é cordel na Literatura Popular, Edições Queima-Bucha, 2012.
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VIANA, Arievaldo – Leandro Gomes de Barros – Vida e Obra, Queima-Bucha Editora / Edições Fundação SINTAF, 2015.
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