sábado, 31 de dezembro de 2016

REFLEXÕES DE FIM DE ANO


VOCÊS! Que fazem parte dessa massa...


Haverá paz na terra "E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará". (Isaías 11:6 ). 

Desde o princípio das coisas, uma parte da humanidade sempre teve o desejo de conquistar, colonizar, civilizar, catequizar, enquadrar, explorar e escravizar o semelhante. Os que desejam simplesmente viver em paz, trabalhando pelo seu sustento, sem agredir a fauna e a flora e sem explorar o semelhante são incompreendidos. Tidos como selvagens, ascetas, bichos do mato, sujeitos esquisitos e anti-sociais!

O que será dessa classe oprimida que navega tal e qual um rebanho de bodes e ovelhas neste Vale de Lágrimas? Do jeito que a coisa vai, às vezes me bate o vago desejo de seguir os passos do Belchior... Evaporar como o éter e mandar todo esse sistema de coisas para o raio que o parta.



Antigamente, os nossos antepassados conseguiam escapar incólumes (pelo menos por algum período) em algum quilombo, caverna ou biboca, num sítio esquecido num pé de serra ou numa tribo perdida nos confins da Amazônia. Plantando, colhendo, criando e vivendo, camuflados como nativos “ignorantes” ou Cristãos “inofensivos”, sem prestar contas aos donos do planeta, somente ao Bom Deus, Onisciente e Onipresente, Aquele que tudo vê. Mas se não deu certo no passado, como iria dar certo hoje em dia, em plena era digital?

Hoje, com o advento da antena parabólica, do telefone celular, do tablet, do satélite, do chip, do radar e das redes sociais, a teia da aranha se fechou completamente. Não tem como escapar. Somos todos presas inúteis, imobilizadas e prestes a ser devorados pelo SISTEMA na hora que ELE bem entender, ao bel prazer.

Quando menos se espera, o sujeito cai na teia digital, nas redes sociais e na malha fina. Não tem como escapar. Se for inseto graúdo cai na Lava-Jato. Se for miúdo cai numa raquete Made in China, daquelas de matar muriçoca. Um dia você cai. Todos caem.

E, enquanto nos debatemos nessa teia, arriscamos uma pergunta: até quando iremos esperar pelo cumprimento das palavras do Profeta Isaías?



Arievaldo Vianna

domingo, 25 de dezembro de 2016

O dia em que não vi PAPAI NOEL


São Nicolau e o Krampus

O KRAMPUS SERTANEJO
(PAPAI NOEL ÀS AVESSAS)

Pelos idos de 1973 ou 74 deu-se um fato curioso: o dia em que não vi Papai Noel. Lembro-me de uma única vez em minha infância em que amanheceu um brinquedo debaixo da rede, na manhã de Natal. Disseram-me que era o Papai Noel que o havia deixado. Mesmo desconfiado, fingi acreditar naquela farsa. Tempos depois aconteceu um episódio que me fez perder inteiramente a crença no velhote.  Eu voltava da escola certo dia, quando nosso primo José Rodrigues de Sousa, o Zé Miguel, me chamou muito animado e perguntou:

— Arievaldo, você já viu o Papai Noel?

— Vi não, Zé Miguel. Ano passado apareceu um brinquedo debaixo da minha rede e disseram ter sido o Papai Noel quem botou, mas eu desconfio que foi mesmo obra da vovó ou de alguma de minhas tias.

— Que nada, rapaz! Papai Noel existe! Está aqui em casa passando uns dias. Quer ver?


José Rodrigues de Sousa, o saudoso "Zé Miguel"

A Marta, minha prima, andava comigo e também ficou curiosa para ver o “bom velhinho”. O Chico Bastião, devidamente combinado com o Zé Miguel, começou a cantar velhas cantigas natalinas invocando o Papai Noel, enquanto o nosso ardiloso parente nos preparava uma surpresa. Entrou apressadamente para o quarto, vestiu uma velha roupa de estopa, botou uma máscara horrenda de papangu e apareceu no alpendre de supetão, trajando essa estranha indumentária e sapateando em nossa direção.
Nem é preciso dizer o que se seguiu. Arrancamos em desabalada carreira, botando o coração pela boca, com medo daquela aparição. Entretanto deu-me na veneta voltar discretamente por dentro do mato e verificar a coisa de perto, para contar de certo. Ora, não deu outra. Presenciamos o Zé Miguel às gargalhadas, juntamente com seu cúmplice, despindo a máscara e a estranha indumentária. Criei coragem e voltei para desmascará-lo, dizendo que já sabia de tudo, desde o começo.

— E por que foi que correram?

— Corremos para ver o Papai Noel achando graça!

Eu tinha resposta para tudo, nessas situações.




* * *

Sem o saber, o Zé Miguel encarnou o Krampus, o antinoel dos contos russos. Reza a lenda que o Krampus seria uma criatura mitológica que acompanhava São Nicolau durante a época do Natal. E essa crença difundiu-se em várias regiões do mundo.
A palavra Krampus vem de Krampen, palavra para "garra" do alto alemão antigo. Nos Alpes, Krampus é representado por uma criatura semelhante a um demônio. Enquanto o Pai Natal dá presentes para as crianças boas, o Krampus avisa e pune as crianças más. Tradicionalmente, rapazes se vestem de Krampus nas duas primeiras semanas de dezembro, particularmente no anoitecer de 5 de dezembro, e vagam pelas ruas assustando crianças com correntes e sinos enferrujados. Em algumas áreas rurais, a tradição também inclui surras aplicadas pelo Krampus.
As fantasias modernas de Krampus consistem em uma Larve (máscaras de madeira), pele de ovelha e chifres. A manufatura das máscaras artesanais demanda um esforço considerável, e vários jovens em comunidades rurais competem nos eventos do Krampus. O “Papai Noel” encarnado pelo primo Zé Miguel nada mais era que uma imitação desse personagem lendário, que aqui no Nordeste possui o nome de “Papa-figo” ou “Véi do Saco”.  
Foi bom perder a crença no Papai Noel porque, ao mesmo tempo, deixei também de acreditar nesse outro personagem que usavam para intimidar as crianças, o “Véi do Saco”.

* * *

 Com relação aos “caretas” ou “papangus” do Bumba-meu-boi, a primeira vez que vi uma representação desse tipo  foi no Iguaçu, distrito de Canindé-CE.
Os participantes do reisado não assumem a pecha de “papangus”. Eles dizem que papangus são os meninos da plateia. Os brincantes são os caretas.
A criançada empolgada com esse folguedo não falava noutra coisa. Os meninos do Antônio Tobias e outros garotos da localidade entenderam de fazer um reisado mirim.
 Tiramos vergônteas de mofumbo, para fazer a armação do boi, arranjamos um velho lençol de chita para cobri-lo e a cara do bicho foi pintada num grosso papelão. Faltava agora aprender as cantigas do boi. Foi quando alguém nos deu a ideia de visitar o velho José João (ou João José), que morava nos arredores. O bom ancião nos atendeu prontamente e repetiu dezenas de quadrinhas até que nós decoramos a maior parte e nos munimos de um estoque de glosas para a encenação do folguedo. Lembro-me perfeitamente dessas duas:

“Eu me chamo Chico Torto
Revesso, quebra-machado,
Cavo cacimba no seco
Depressa dá no molhado.

Só não quero que me mandem
Na rua, comprar fiado,
Que fiado me dá pena
E pena me dá cuidado.”


A apresentação do grupo foi no terreiro do Toinho Tobias, cunhado de minha tia Augediva. Apesar do amadorismo do grupo e dos inevitáveis improvisos, foi sucesso total. Retrato de um Sertão não tão distante, que foi tragado pelas mandíbulas da tal globalização.

Arievaldo Vianna (de O LIVRO DAS CRÔNICAS)
Todos os direitos reservados ao autor.