TIO
ZIZÓ E O PADRE CICERO
Há bem poucos dias meu tio José Oswaldo completou 79 anos de idade e continua lúcido e na ativa, apesar de ter quase perdido a visão. Tio Zizó, como o chamam a maioria
dos sobrinhos, é baixinho, disposto e macho que só preá de
balseiro. Vovô costumava dizer a respeito do seu primogênito:
— Aquele é inteirado. É homem sobrando. O que tem de
pequeno tem de disposto. É macho nos quatro aceiros!
E, realmente, quando criança, eu ficava impressionado
quando via o meu tio saindo da capoeira, calçado num par de
galochas, com um facão na cintura e um feixe de capim na cabeça que
era o dobro do seu tamanho. Quando os filhos – 10 ao todo –,
chegaram à idade escolar mudou-se com a prole para Canindé, onde
montou um bar e depois uma mercearia.
Certa feita foi com a família ao Juazeiro do Norte e
por lá adquiriu uma imagem do Padre Cícero, de mais um menos 50
centímetros de altura, com a batina e o chapéu de um preto vivo e
brilhante, tendo de branco apenas o rosto e as mãos, e a colocou na
prateleira mais alta de sua bodega.
Certa feita um crente chegou-se ao pé do balcão e
começou a desfazer do sacerdote. Primeiramente se fez de ingênuo e
perguntou:
— Seu Zé, aquilo acolá, em riba da última
prateleira, é uma garrafa de Coca-Cola?
— Largue de ser besta! Você não está vendo que é
um Padre Cícero? — Respondeu o meu tio, já
perdendo as estribeiras... O crente poderia ter se calado com essa,
mas foi adiante. E balançando a cabeça, num ar de desalento acrescentou:
— Padim Ciço! Sem futuro...
Titio pulou o balcão num piscar de olhos, sem triscar
os pés, agarrou o evangélico pelas bitacas e gritou furioso:
— Sem futuro o quê, seu corno. Sem futuro é a pobre
de uma mãe que passa nove meses com uma fela-da-gaita como você na
barriga! Vá passando, se não quiser levar uns tabefes agora mesmo!
Nem é
preciso dizer que o crente se escafedeu no ato e saiu vendendo azeite
às canadas. Vai, bichão, falar mal do Padre Cícero perto de um devoto.
(De
“O livro das Crônicas”)