quinta-feira, 16 de abril de 2015

Anedotas e poemas do QUINTINO


Recentemente, adquiri pela Estante Virtual o livro MUSA GAIATA, organizado por Renato Sóldon e Bastos Tigre, reunindo a produção gaiata de diversos poetas, dentre os quais QUINTINO CUNHA. Vejamos alguns poemas enfeixados nesta obra...

Quintino Cunha
Poesia humorística – poesia satírica


QUINTINO CUNHA ― civilmente José Quintino da Cunha ― conhecidíssimo em todo o Brasil, sobretudo nos Estados  nordestinos, advogado e poeta, possuía  a virtude de improvisar discursos, versos e trocadilhos, com tal facilidade, que  estarrecia a todos.


Cearense de nascimento, cumpriu  o destino do seu povo: viajou de Seca e Meca. Durante cinco anos consecutivos esteve embrenhado nas selvas amazônicas e, de lá daqueles confins misteriosos, transportou-se para a Europa, onde publicou em Paris, o seu formoso livro “Pelo Solimões”.

No velho mundo privou da intimidade de Guerra Junqueiro Emile Faguet, Edmond Rostand,  Richepin Filho  e outros grandes vultos da literatura  universal.

Boêmio, amigo do povo, QUINTINO CUNHA militou na imprensa e tribuna, sempre ao lado dos desprotegidos contra as potestades ocasionais.


São de sua lavra, escritos no fim da vida, êstes mordacíssimos apólogos:


O CAVALO

                  ― O mérito, em declínio, é sempre oriundo
                  de um suposto valor:
                  o Cavalo foi tudo, neste mundo,
                  desde escravo aa Senhor!

                  Na Arábia, foi Herói; na Grécia, Trono;
                  Em Roma, Senador!
                  Hoje, no mais humilimo abandono,
                  mal chega a ser Doutor!


O GATO

                  ― O Gato, se tem fome, é assim: procura,
                  todo brandura,
                  o dono seu, pedindo-lhe comida.
                  Mas de uma fórma, tão enternecida,
                  que nos parece Gato
            a sombra fiel de um candidato
            pedindo votos para ser eleito...
            E, quando o  apanha,
            que ao próprio dono ferozmente estranha,
            aí é que o retrato está perfeito!


O BURRO

                  ― Chega à feira um sertanejo
                  montado num Burro arisco.
                  E, sem pensar nalgum risco,
                  daquele canto não sai.
                  Perto, apita um trem, e o Burro
                  salta com tal ligeireza,
                  que o pobre homem, de surpresa,
                  desiquilibra-se e cai!

                  Nesse momento, a assistência,
                  um tanto ou quanto educada,
                  prorrompeu em forte assuada,
                  quando o matuto caiu...
                  E, apenas como protesto,
                  àquele cena, tão séria,
                  vendo tamanha miséria,
                  somente o Burro não riu...

      QUINTINO tinha pavor aos ignorantes, notadamente àqueles que atingiam posição de destaque na política, na sociedade, no comércio, nas artes ou ...nas letras.

      Nas oitavas abaixo reproduzidas, o poeta adverte-nos o perigo que o ignorante oferece à humanidade:


O MENTIROSO E O IGNORANTE


O ment'roso é conciénte
da mentira que êle explora.
Mas o ignorante ignora,
que ignora o que fizer.
De onde suponho, com acerto,
ser natural que prefiras
um soltador de mentiras
a um ignorante qualquer.



   A IGNORÂNClA

_ Na história da teimosia,
entra a rudeza e a arrogância,
é tão forte a ignorância,
tão cruenta, tão mendaz,
que a própria Sabedoria;
de tudo, sabendo tanto,
 não póde saber de quanto
o ignorante é capaz.

É imenso o trovário do conhecido epigramista cearense.
Eis algumas redondilhas, à moda popular, de sua autoria: 

      — O homem que se sujeita
    a caprichos de mulher,
    é  zero escrito à direita
    de uma unidade qualquer.

              — Mesmo, sem subserv'ência,
                quem se ampara em proteção,
                  aou vive dependência,
               ou morre na humilhação 

Reforma, de quando em quando,
segundo o meu parecer,
é uma vela se apagando
e outra pra se acender...

           
    — O cearense, em criança,
    nasce na FÉ, com verdade;
    cresce e vive na ESPERANÇA
    e morre na CARIDADE.


Quando foi criado o sêlo de educação e saúde, QUINTINO farpeou, com esta quadra, um advogado, seu conterrâneo, homern doente do côrpo e da inteligência:


    — Um bacharel doente e rude,
         quasi morreu de desgôsto,
          por não pagar o imposto

          de Educação e Saúde. . .


Alguns meses antes de fechar os olhos à vida, no seu leito de dôr, o poeta brincava com a morte. Marido amantíssimo, QUINTINO ditou estes versos, de humor à Swift, ao seu sobrinho Renato Sóldon, pedindo-lhe mostrasse-os, depois, à sua dedicada esposa, a titulo de brincadeira:


                                  SPES UNICA


            — Morto, dentro da fria sepultura,
            sem te poder falar?
            E tú, que me amas, bôa criatura,
            indo me visitar...

            Banhada de suspiros, de soluços,
            desmaiada, talvez . ..
            Muita vez reclinada, até de bruços,
            na altura dos meus pés...

             Pedindo a Deus o meu viver eterno
             junto das glórias suas;

             que me livre das penas do inferno,
             e a chorar continúas...

Lembrando nossa vida a todo instante
repassada de dôr,
a lembrar-te que fui o teu amante,
— o teu único amor,

M al, pensando na horrífera caveira,
em que me transformei,
exausto de fadiga, de canseira,
imaginar não sei...

Para evitar essa hora amargurada,
êsse quadro de dôr, tão verdadeiro,
Deus há-de ser servido, minha amada,
que tú morras primeiro ! ...

Afinal, aos 68 anos de idade, no dia primeiro de Junho de 1943, em Fortaleza, QUINTINO CUNHA fechava os olhos à vida. Sem nada possuir, senão um grande talento e enorme cultura, êle mesmo ditou, momentos antes de morrer, o epitáfio para o seu túmulo:

— O Padre Eterno, segundo
refere a História Sagrada,
tirou o Mundo do nada...
E eu Nada tirei do mundo.


Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/amazonas/quintino_cunha.html