sexta-feira, 22 de março de 2013

SERTÃO EM DESENCANTO

 
Não faz tanto tempo assim, mas sou de um tempo em que o povo sertanejo acordava no 'cantar dos galos';  começava a trabalhar no 'cagar dos pintos' e domia com as galinhas... O horário da dormida dependia da galinha (rsss). Sertão das muié séria e dos homens trabaiadô, com dizia Gonzagão.
 
Faz tempo que trabalho no projeto de um novo livro de poesias intitulado, provisoriamente, de 'SERTÃO EM DESENCANTO'. A cada visita que faço ao sertão cearense, volto impressionado com a descaracterização dos nossos sertanejos, com as influências maléficas sobre as novas gerações e o que é pior: pessoas de idade avançada renegando as suas raízes e dançando conforme o ritmo da tal 'globalização'. Um amigo meu, o Lalá, que era fã de Luiz Gonzaga e das coisas do sertão, foi morto cruelmente por um jovem drogado, lá nos cafundós de Canindé. Ao saber da notícia, escrevi esse poema/desabafo onde tento expressar a minha indigação. Sem preocupar-me com o 'politicamente correto', abri as tampas da poética com toda fúria. Quero deixar claro que a minha bandeira é a defesa da cultura nordestina e que não tenho uma visão preconceituosa do mundo, entretanto não quis mexer no texto que saiu num momento da mais lídima indiganção. Leiam, e tirem as suas conclusões:
 
O SERTÃO DE ANTIGAMENTE
E O SERTÃO DE HOJE EM DIA
 
Arievaldo Viana
(Todos os direitos reservados)

trechos

Meu sertão já tem maconha
Tem cocaína, tem crack
Agricultor de araque
Que nem sabe o que é pamonha
Tem malandro sem vergonha
Que rouba a avó e a tia
Não se vê mais cantoria
Só forrozeiro pedante
Tudo isso tem bastante
No sertão de hoje em dia.
 
(No sertãozim do meu tempo
Se comia rapadura
Cuscuz e bolo de milho
Farofa de tanajura
Menino chupava cana
E não sentia gastura).
 
Meu sertão está mudado
Tem quenga de todo jeito
E digo, sem preconceito,
Tem cara muito 'antenado',
Tem assaltante e tarado
Acabou-se a tradição
Ninguém ouve Gonzagão
Só esse forró de banda
A malandragem é quem manda
Nas coisas do meu sertão. 
 
(Por isso eu tenho saudade
Do sertão de antigamente
Dos folguedos populares
Que alegravam a nossa gente
Hoje, quem anda por lá,
Acha muito diferente).
 
Tem twitter, tem Orkut
Todo canto tem lan-house
Tem impressora, tem mouse
Menino bebe iogurte
E a moçada só curte
Brincadeira da pesada
Tem piriguete abusada
Cheia de gíria e maldade
Não se encontra honestidade
Nem mesmo em mulher casada.
 
Antigamente o sertão
Tinha um bom divertimento
Fogueira no mês de junho
Forró era cem por cento
No fole de oito baixos
Com bom acompanhamento.
 
Lá não se vê mais jumento
Pois todo mundo tem moto
Matuto joga na loto
Já de olho no provento,
Velho tira o “aposento”
Num magnético cartão
E grita para o ladrão:
- Eu morro, mas não entrego!
Por lá ninguém dá um prego
Numa barra de sabão
 
Antigamente o matuto
Reunia a filharada
Iam todos pro roçado
Às quatro da madrugada
Se criavam trabalhando
Na chibanca e na enxada.
 (...)
 
Toda regra, há exceção
Aqui faço uma ressalva
Muita gente inda se salva
Lá também tem CIDADÃO
Preservando a TRADIÇÃO
Que está perto do fim
A coisa está muito ruim
Por isso é que perguntamos
ONDE FOI QUE NÓS ERRAMOS
PRO SERTÃO FICAR ASSIM?
 
 
Fotos: Jconline / Antonio Vicelmo - Diario do Nordeste / Acervo pessoal


quinta-feira, 21 de março de 2013

PAIXÃO DE CRISTO EM CORDEL


Xilogravura de J. Miguel (Escola de Bezerros-PE)

Na Semana Santa do ano passado publicamos aqui a primeira parte do famoso poema 'Jesus, filho de Maria', do poeta Dimas Batista, descrevendo a infância do Salvador (link: http://acordacordel.blogspot.com.br/2012/04/vida-de-jesus-na-literatura-de-cordel.html). Publicamos agora a segunda parte que trata dos milagres realizados por Jesus durante o seu ministério aqui na terra.

JESUS, FILHO DE MARIA
Autor: Dimas Batista

PARTE II - Milagres


Pregando a Santa Idéia
Da lei do Deus verdadeiro,
Fez o milagre primeiro,
Em Caná, de Galiléia!
Na festividade hebréia,
Vinho não mais existia;
Devido a falta que havia
Ao filho a Virgem rogou,
Água em vinho transformou
Jesus, Filho de Maria!
 

Por toda a vasta Judéia,
De aquém e de além Jordão,
Crescia a religião
De Cristo na Galiléia!
Traconites, Ituréia,
Betânia, Hebron, Samaria;
A Nazaré sempre ia,
Cafarnaum, Palestina,
Pregando a nova doutrina
Jesus, Filho de Maria!
 

Um dia, Jesus sentado
Sobre a barca de Simão,
Viu-o sem consolação,
Por peixe algum ter pescado!
Disse Cristo: - “Desse lado,
Faze, Pedro, a pescaria.”
Quase a rede se rompia,
Tanto peixe, ali, pescou;
Um novo milagre obrou
Jesus, Filho de Maria!
 

Disse a Pedro o Redentor:
- Peixe, tu não pesques mais,
Que de hoje em diante serás
Só das almas pescador!
Tiago ouvia, com amor,
Tudo que o Mestre dizia,
João, comovido, sentia
O mesmo que os dois sentiram
Deixaram tudo e seguiram
Jesus, Filho de Maria!
 

Milagre maravilhoso,
Obrou Jesus com ternura,
Operando a grande cura
Dum triste e pobre leproso;
Outra vez, brando e piedoso,
Curava a paralisia
Dum pobre que lhe pedia....
Cheio de fé e emoção
E abismava a multidão,
Jesus, Filho de Maria!
 

Vendo, ali entre os hebreus,
Tais prodígios soberanos
Murmuravam publicanos,
Escribas e Fariseus:
- Será o Filho de Deus?!
- É nada, um respondia,
E outro acolá dizia:
- Seu pai se chama José!
Por fim afirmaram: - É
Jesus, Filho de Maria!

 
Doze apóstolos de fé:
Tiago e o bondoso João,
Judas, de Tiago, irmão,
Mateus e o grande Tomé!
O mano de Pedro, André,
Também dessa companhia,
Aonde o Mestre seguia,
Os doze juntos estavam
Porque, sempre, acompanhavam
Jesus, Filho de Maria!

 
Simão Pedro, o pescador,
Felipe e Bartolomeu,
Tiago, filho de Alfeu,
Também Simão, Zelador,
Judas, infame traidor,
Repleto de hipocrisia,
Era o único que não cria
Em Cristo, e antes zombava
Da doutrina que ensinava
Jesus, Filho de Maria!
 

Seguindo a Mãe Soberana,
Iam, por vontade plena,
A formosa Madalena,
A piedosa Suzana,
A mulher de Chusa, Joana,
Salomé que, também ia,
Fora o povo que surgia
De toda a parte do mundo
Pra ouvir o Juiz Profundo
Jesus, Filho de Maria!

 
“Sede puros e constantes,
Mansos e humildes também
Pagai o mal com o bem
Amai vossos semelhantes,
Instruí os ignorantes;
Deixai o vício e a orgia,
Não usai de hipocrisia.”
Disse, em verdade tamanha
Lá no Sermão da Montanha
Jesus, Filho de Maria!
 

Feliz quem vive em pobreza
Que esta vida é lisonjeira!
Jogo, dança e bebedeira
Paixão, vaidade, riqueza,
Orgulho, pompa, grandeza,
Posto, brasão, fidalguia,
Tudo é mera fantasia
Aqui no globo terrestre;
Assim disse o grande Mestre
Jesus, Filho de Maria!
 

Aonde o Messias passava
Todos gozavam virtude!
Ganhava o enfermo a saúde,
O morto ressuscitava!
O louco se equilibrava,
Coxo andava, cego via,
O ignorante aprendia;
Falava quem era mudo,
Pois socorria isso tudo
Jesus, Filho de Maria!
 

Jesus em Santa Missão
Chegando a Cafarnaum,
Curou o servo de um
Notável centurião.
Movido de compaixão,
Ressuscitou nesse dia,
O único filho que havia
Da viúva de Naim;
Só fez prodígios assim
Jesus, Filho de Maria!
 

Na casa de um fariseu
Que se chamava Simão
Pedindo, a Jesus, perdão,
Madalena apareceu.
Tantas lágrimas verteu
Que Jesus se comovia...
Chorava e se maldizia,
Tristonha e cheia de amor,
Aos pés de Nosso Senhor
Jesus, Filho de Maria!

 
O Mestre, estendendo a mão,
Perdoou a penitente
Enquanto, secretamente,
O censurava Simão!
Cristo, a este, disse então:
“Esta que o pranto vertia,
Em grandes faltas vivia,
Mas, depois, se arrependeu...
Por isso o perdão lhe deu
Jesus, Filho de Maria!

 
Grande multidão depois
Padeceu fome inclemente,
Porque havia, somente,
Cinco pães e peixes, dois!
Cristo, repartir, propôs,
Os cinco pães que trazia;
Juntando aos peixes que havia,
Depois da ração partida,
A cinco mil deu comida,
Jesus, Filho de Maria!
 

Tiago, Pedro e João
Viram, num monte, o Messias,
Junto a Moisés e Elias,
Numa transfiguração!
Com refulgente clarão,
Uma nuvem os envolvia,
Dos céus, uma voz dizia:
“Este é meu Filho querido,
A vossos pais prometido,
Jesus, Filho de Maria!
 

Jesus curou dez leprosos
Em Galiléia passando;
Ali esteve curando,
Cegos, enfermos piedosos,
São seus atos milagrosos
De indescritível quantia;
Certa vez, de hidropisia,
Vivia um homem a sofrer,
Mas curou-se, só em ver,
Jesus, Filho de Maria!

 
A conversão de Zaqueu,
Em Jericó, foi notória,
Cobrindo-se ali de glória
A fama do Galileu!
Uma pobre apareceu,
Que espírito mau possuía,
Era uma moça gentia,
Filha duma Cananéia;
Curou-a, na Galiléia
Jesus, Filho de Maria!

(...)


Dimas Batista Patriota, nasceu no ano de 1921, na então Vila Umburanas, município de São José do Egito, hoje cidade de Itapetim-PE. Filho de Raimundo Joaquim Patriota e Severina Batista Patriota ambos paraibanos. Dotado de uma intelência Privilegiada, aos cinqüenta anos de idade, formou-se em letras clássicas na mesma faculdade de onde seria professor de língua portuguesa. Era considerado o cantador mais culto de todos os tempos. Além de repentista renomeado, era historiador geógrafo e poliglota. Dimas fez a sua primeira cantoria aos quinze anos de idade, na cidade de São José do Egito. Faleceu em Fortaleza em 1986, vítima de acidente vascular cerebral; sepultou-se em Tabuleiro do Norte, local onde residia. Obras: Jesus Filho de Maria; História da CNEC (Em versos); As Três cruzes;Desafio (Dimas e Cabeleira)”

quarta-feira, 20 de março de 2013

CANGACEIRO DIGITAL

 
 
 
por Carol Prado
Foi-se o tempo em que os joguinhos eletrônicos eram terrenos exclusivos de guerreiros medievais, robôs intergaláticos e outros personagens bem distantes da realidade de carne e osso. Sem negar suas origens, a empresa baiana de tecnologia Soterotech decidiu levar figuras típicas do hiperrealista sertão nordestino ao mundo dos bits. Um cangaceiro, um calango e um carcará dão o tom do jogo “Cangaceiro de Badogue*”, apresentado neste sábado (16) e domingo (17) durante o Gamepólitan, evento que transformou o Centro de Convenções da Bahia em um verdadeiro parque de diversões digitais.

Fotos: Carol Prado / Bahia Notícias

O game narra a história de Lino, um destemido personagem inspirado no histórico Lampião, que, depois de ver sua amada raptada por um maléfico carcará, luta contra todos os obstáculos para recuperá-la, sempre acompanhado de seu poderoso badogue. “A ideia surgiu em 2009, antes mesmo do nascimento da empresa, em um grupo de jogadores. Hoje, todos os produtos que a gente desenvolve têm traços dessa cultura regional, que é muito rica e pouco explorada”, explicou Diego de Potapczuk, um dos diretores da Soterotech. Segundo ele, o software desenvolvido para tablets e smartphones ainda está em fase de testes e deve chegar ao mercado no segundo semestre deste ano, quando poderá ser baixado, no mundo todo, através da Apple Store e Google Play, lojas de aplicativos da Apple e Android, respectivamente. “Queremos fazer um lançamento global e levar a cultura nordestina pro mundo inteiro através do game”, almejou, em entrevista ao Bahia Notícias. As expectativas da empresa são boas, principalmente depois do sucesso de Lino no Centro de Convenções. O administrador de empresas, Vítor Carneiro, por exemplo, acompanhava o filho gamer e não tirava os olhos das aventuras do cangaceiro. “Isso é ótimo para tirar um pouco a criançada da linha de jogos japoneses e reforçar nossa cultura regional”, opinou.
 
 
* Aqui no Ceará a gente diz Bodoque ou Baladeira